Acordei com o som dos pássaros do lado de fora, mas tudo dentro de mim estava um caos. Senti o corpo pesado, como se cada músculo estivesse lutando para se mover. Não queria levantar, não queria enfrentar o dia, enfrentar minha própria consciência. Depois do que aconteceu ontem, cada segundo parecia mais difícil de suportar. Fiquei na cama, olhando para o teto, a mente vagando por lugares que eu preferia esquecer.
A lembrança de Roberto, do que fizemos no show, me assolava sem piedade. Eu sabia que aquilo era errado, que estava ultrapassando todos os limites, mas não conseguia parar. Uma parte de mim se sentia completamente impotente diante da atração que sentia por ele. Era como se meu corpo respondesse por vontade própria, sem que eu tivesse controle. E, depois, vinha a culpa, o arrependimento. A vontade de desaparecer.
Finalmente, respirei fundo e levantei, como se fosse uma batalha vencer a preguiça e a tristeza. Fui até o banheiro, lavei o rosto, tentando afastar os vestígios de choro da noite anterior. A água fria parecia quase um castigo, mas eu precisava daquilo para me sentir mais desperta, menos perdida. Escovei os dentes, mas não senti o gosto da pasta, meus pensamentos estavam muito distantes, ocupados demais com a culpa e o medo do que poderia acontecer.
Voltei para a cama, me encolhendo debaixo das cobertas. O mundo lá fora continuava girando, mas eu queria apenas ficar ali, imóvel, como se isso pudesse afastar todos os problemas. Não estava com fome, nem vontade de fazer nada. Só queria paz, um pouco de silêncio dentro de mim. A culpa era uma companheira constante, sussurrando em minha mente, lembrando-me do que eu estava fazendo com a minha irmã, do quão baixo eu tinha chegado.
Passei o dia todo assim, alternando entre momentos de silêncio e lágrimas silenciosas. Cada vez que pensava em Roberto, sentia um misto de desejo e repulsa. Por que ele tinha que ser tão irresistível? Por que eu não conseguia dizer não a ele? Meus pensamentos eram um emaranhado confuso de emoções que eu não sabia lidar.
O tempo passou e eu mal percebi. Quando olhei para o relógio no celular, já era quase fim de tarde. Ouvi passos do lado de fora do quarto e, antes que pudesse pensar em levantar, a porta se abriu devagar.
Rosane entrou, com aquele jeito cuidadoso de sempre, o rosto calmo, mas com uma expressão diferente, como se estivesse carregando um peso enorme.
— Ei, tá tudo bem? — ela perguntou, se aproximando e sentando na beira da cama.
Tentei sorrir, mas foi forçado, sem vida.
— Só um pouco cansada. — A mentira saiu automática, porque eu sabia que ela se preocupava demais.
Rosane suspirou e passou a mão pelo meu cabelo, um gesto reconfortante que me fez sentir ainda mais culpada. Como eu poderia estar fazendo isso com ela? Como eu podia traí-la desse jeito, sabendo o quanto ela sempre cuidou de mim?
— Eu queria conversar com você, Nina... — A voz dela saiu baixa, como se estivesse escolhendo as palavras com cuidado. — Sobre mim e o Roberto.
Meu coração congelou. Eu não esperava por isso, não agora. Senti a tensão crescer dentro de mim, o medo se transformando em pânico. O que ela ia dizer? Será que ela sabia?
— O que foi? — perguntei, tentando soar casual, mas minha voz tremia.
Minha mente estava a mil, e eu me preparei para o pior.
Rosane olhou para as próprias mãos, um gesto nervoso que eu conhecia bem.
— Nós vamos nos divorciar.
Foi como se o mundo parasse por um segundo. Aquelas palavras ecoaram na minha mente, e eu tive que me esforçar muito para não deixar o alívio transparecer. Mas logo o peso da culpa me atingiu novamente. Meu Deus, o casamento deles estava acabando, e eu tinha uma parte nisso. Talvez não fosse a única culpada, mas eu estava no meio de tudo isso.
— O quê? — Minha voz saiu mais alta do que eu pretendia, e vi que ela se encolheu levemente.
Tentei parecer chocada, confusa, mas o nervosismo só aumentava.
— Como assim, Rô? O que aconteceu?
Rosane suspirou, como se estivesse cansada. Seu olhar era triste, mas havia uma determinação ali, uma força que eu não via há algum tempo.
— Não tem sido fácil pra gente, você deve ter percebido que não agimos como um casal. — Ela começou, a voz firme, mas havia uma tristeza profunda ali. — Acho que eu e o Roberto nunca fomos certos um para o outro. A gente se gosta, mas não do jeito que deveríamos, sabe? Não do jeito que um casal deve se amar. E eu... — Ela hesitou, mordendo o lábio, como se estivesse buscando coragem. — Eu acho que gosto de mulher.
Ela disse aquilo, mas não olhou diretamente para mim. Como se estivesse com medo do meu julgamento. Eu não sabia como reagir, o choque e a confusão se misturando dentro de mim. Claro, eu já tinha percebido a proximidade dela com a Bárbara, mas ouvir aquilo tão claramente era diferente.
— Eu... Nossa, Rô, eu não sei o que dizer — murmurei, tentando soar compreensiva. — Você tá bem com isso? Quer dizer, você tá feliz com essa decisão?
Ela assentiu, um sorriso triste surgindo nos lábios.
— Eu tô aliviada. Nunca quis te esconder isso, mas eu precisava entender primeiro o que estava acontecendo comigo. E com o Roberto... — Ela deu de ombros, como se estivesse aceitando o que não podia mudar. — Não tinha como continuar. Não era justo pra ele, nem pra mim.
Me esforcei para manter a expressão preocupada, mas por dentro, minha mente estava um caos. Eles iam se separar. Roberto ia ser livre. E isso deveria ser uma coisa boa, certo? Mas por que eu me sentia tão horrível? Talvez porque, no fundo, sabia que eu era uma parte dessa história. Que, de certa forma, eu também estava traindo a Rosane, mesmo que ela já tivesse seus próprios segredos.
— Eu só queria que você soubesse. — Ela me olhou com aquele carinho nos olhos, um carinho que só me fazia sentir pior. — Eu vou tentar resolver tudo da melhor maneira possível. E se você quiser voltar para a sua casa pra não ter que lidar com a nossa confusão, eu entendo.
Meu coração apertou. A ideia de me afastar, de deixar Roberto, me causava pânico. Mas eu não podia dizer isso a ela. Tinha que parecer a irmã preocupada, a irmã que sempre apoia.
— Não, Rô, eu vou ficar aqui. Com você. — Apertei sua mão, tentando transmitir força. — Você é minha irmã. Eu te apoio, sempre.
Ela sorriu, um sorriso verdadeiro, mas ainda havia uma sombra ali. Talvez fosse o medo do que as pessoas iam pensar, talvez fosse o peso de finalmente admitir quem ela era. Mas eu sabia que Rosane era forte, que ela ia superar isso.
Ela não mencionou nada sobre a Bárbara, e eu sabia que ainda não estava pronta para assumir isso. Talvez estivesse com medo da minha reação, ou talvez ainda estivesse processando tudo. De qualquer forma, eu sabia que tinha que estar lá para ela, que, de alguma forma, tinha que compensar tudo o que estava acontecendo.
Depois que ela saiu do meu quarto, fiquei sentada na cama, olhando para a porta fechada. O alívio e a culpa se misturavam dentro de mim, como um veneno que eu não conseguia expelir. Roberto e Rosane iam se divorciar. Ele seria livre. E, por mais que isso resolvesse uma parte do problema, também complicava tudo.
Porque agora, sem o casamento deles como barreira, o que impediria Roberto de me querer ainda mais? O que me impediria de ceder ainda mais a ele? A culpa ainda estava presente dentro de mim, mas o desejo também. E eu sabia, com uma certeza dolorosa, que ainda estava muito longe de conseguir me afastar dele.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Conexão Obscena
Genç KurguQuando Marina, a cunhada de Nascimento, vem passar um tempo na casa deles para se preparar para um concurso, ele a vê apenas como uma responsabilidade extra em sua já tumultuada vida. No entanto, a proximidade diária e as conversas inesperadas revel...