Ravenwood, nossa! Quanto tempo eu não vinha aqui? 13 anos? Acho que é mais ou menos isso. Não existe melhor lugar para se inspirar para escrever um romance de terror do que esse pedacinho bizarro da América.
Tinha duas horinhas antes de encontrar o dono da casa que aluguei no 890 da Willow Creek, então, por que não dar uma paradinha em algum lugar?
Pensei em parar para comer algo no Wendy's que ficava no caminho, mas acabei mudando de ideia assim que vi a velha loja de penhores do senhor McNamara.
Tive uma experiência um tanto assustadora lá dentro: foi um dia antes do caso de Olivia Pembroke repercutir e mudar toda a cidade. Sempre fui fascinada por coisas antigas, que causavam aquela estranheza interna que só alguém que já passou por algo do tipo pode entender.
A entrada de crianças desacompanhadas era terminantemente proibida e, por isso, sempre que tinha a chance, me embrenhava para dentro quando algum cliente entrava ou saía.
A senhora que foi minha desculpa logo saiu ao não encontrar o senhor McNamara no balcão, mas eu vi isso como uma oportunidade de espiar o que havia na misteriosa salinha dos fundos e encontrei uma cena que assombraria alguns dos meus piores pesadelos:
Ele cantarolava uma cantiga de pular corda que eu detestava.
Lizzie Borden
took an axe
And gave her mother
forty whacks
When she saw what she had done
She gave her father
forty-one
Tradução:
Lizzie Borden
pegou um machado
E deu sua mãe
quarenta golpes
Quando ela viu o que tinha feito,
ela deu seu pai
quarenta e um
Enquanto isso, pegava uma boneca de porcelana atrás da outra e a decapitava usando um machado, em vez de se despedaçar, a cabeça rolava e sangue escoria do local como se, de alguma forma maluca, ela estivesse viva.
Assim que uma daquelas cabeças rolou para perto de mim, piscando ainda por cima, foi como um sinal para eu disparar e o que me deixa enjoada até hoje é o fato de todas serem ruivas assim como eu o que deu um tom ainda mais pessoal aquela cena.
O que importa que achei a velha loja intacta, como se o tempo nunca tivesse passado.
Ao entrar e escutar aquele sino tão familiar a nostalgia me dominou.
Dei uma boa olhada antes de ser recepcionada por ele.
— Beverly, nossa como você cresceu, e para cima também para minha total surpresa. — Aquele comentário ácido só podia ser do dono, só que no instante que meus olhos pousaram nele as coisas começaram a desandar.
— O senhor está jovem
Ele estava exatamente igual a última vez que havia o visto.
— Estamos em 2014 afinal, a medicina avançou bastante.
— Não, isso é impossível, não envelheceu um dia sequer.
— Bom agora já tem idade para entrar aqui sempre que quiser e espero que tenha dinheiro para comprar alguma coisa. — Fez uma pausa coçando o queixo. — Com quantos anos está agora?
— 27.
— Tenho muitos itens que tenho certeza que uma mulher da sua estirpe vai adorar. — Me segurou firme pelo braço e começou a listar os itens que achou que combinariam melhor comigo.
Um conjunto de chá de 100 anos que ele pechinchou e tinha pertencido a uma princesa chinesa. Uma máquina de escrever que foi usada pelo autor Stephen Edwin King que estava em ótimas condições. Uma cópia de um manuscrito do próprio H.P Lovecraft e a cada um ele parecia oferecer coisas que me agradaram mais e que disse que pensou em me vender há anos.
— Este aqui é um caderno usado por Árthur Conan Doyle, quando escrevia seu 1° romance nunca publicado. — Ele estalou os dedos na minha cara. — Está me escutando?
Eu demorei para responder já que minha atenção focava 100% em um espelho; tinha uma linda moldura dourada, que lembrava os caules de uma flor espinhosa, cheia de rosas de cristal.
— Ele é lindo.
— Ah, essa velharia horrorosa? Encontrei em promoção em um hospital, a última vez que foi usado foi por uma menina com câncer. Pelo que soube, naquela época, ainda ouviam música em walkmans.
— Como um espelho pode ter sido usado uma última vez há mais de 2 décadas se ele está bem aqui?
— Bom se gostou mesmo dele pode ficar.
— - Sério? — Ergui uma sobrancelha curiosa. — Não vai querer nada por ele?
— Ah, já queria me livrar dessa coisa desde que o encontrei, estou cansado de cuidar dele, espelhos são muito ingratos.
Aquele objeto era encantador, quase hipnotizante de se olhar, ou melhor, me olhar nele era hipnotizante, me sentia bonita ao me ver nele.
Fiz questão de pagar 50 dólares por ele, até porque devia valer muito mais e assim que peguei as chaves da casa que aluguei, o pousei em cima da mesa onde eu trabalharia para sempre olhar para ele e logo as consequências começaram a aparecer.