Capítulo 19

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10 de Janeiro de 2003

Eu olhava para o lado de fora da janela do carro, o dia estava cinza e gelado. Era a primeira vez que estava em Chicago desde os meus seis anos de idade. A razão pela qual eu estava lá não era boa.

Olhei para minha roupa preta perfeitamente alinhada, coloquei um óculos de Sol para disfarçar as olheiras que deixavam claro que havia chorado a noite toda e olhei para John tirando Brooke da cadeirinha.

Eu precisava de um tempo. Eu não queria acreditar no que estava acontecendo. Nunca havia lidado com a morte de alguém tão próximo. Meu avô faleceu quando eu era nova, meus tios nunca mais falaram comigo, então nunca senti tanta falta.

Depois de sair do carro olhei para meu marido que estendia a mão para eu caminhar junto dele.

Parei metros antes do velório, não tinha forças para continuar, eu tinha medo de ver que aquilo realmente estava acontecendo. John respeitou meu tempo e só voltou a andar quando eu permiti.

Ao ver a foto dela ao lado do caixão fechado com um pastor fazendo uma oração breve, da forma que ela sempre quis, eu entendi que não teria mais seus conselhos.

Tio Luke olhava fixamente para o caixão de sua esposa ser colocado a sete palmos abaixo da terra enquanto mamãe, com as poucas forças que tinha naquele momento, jogava as flores prediletas da melhor amiga onde descansaria em paz.

Mamãe sempre cuidou da tia Mary e a tia Mary sempre cuidou da mamãe. Eu me lembro de crescer com elas sendo inseparáveis mesmo de longe! Ver minha mãe chorando no túmulo da minha madrinha, sua melhor amiga, me fez entender que elas não eram apenas "melhores amigas", elas eram irmãs de alma, a metade uma da outra.

Papai tinha os olhos vermelhos de tanto chorar, a mulher que havia cuidado tão bem do amor de sua vida durante todos esses anos foi embora. A mulher que o tratava como irmão, se foi sem se despedir.

Nancy não conseguia olhar para a foto da tia Mary, Audrey não tinha conseguido sair de sua residência para ir até o velório.

E eu estava acabada. Minha segunda mãe faleceu. Minha conselheira, a mulher que me incentivou a ser atriz, a mulher que junto da minha mãe me ensinou o que era o amor. Pelo menos ela se foi sentindo orgulho de quem eu havia me tornado.

Fui até a casa onde eu nasci, onde passei alguns meses de vida, estava tudo diferente menos a foto pendurada. Eu, mamãe grávida, papai, tia Mary e tio Luke no casamento.

Sentei-me no sofá olhando para a televisão desligada, ao lado dela um porta retrato com a foto dela e da mamãe.

- Meu amor? - Olhei para John entrando na casa como Brooke dormindo em seus braços.

- Mamãe reformou essa casa para a tia Mary. - Passei a mão no sofá - Ainda consigo sentir o perfume dela...

- O Luke disse que você pode pegar o que quiser. - Ele olhava em volta.

- Eu só quero pegar uma coisa.

Me levantei, caminhei até o quarto de casal e como minha madrinha havia me instruído quando eu tinha dezesseis anos, fui até seu guarda roupa, afastei os casacos pendurados e no fundo achei uma caixa.

A caixa não era tão pesada mas o conteúdo dentro dela mexe comigo até hoje.

Sentada na cama, senti John colocar Brooke deitada e ele se sentar ao meu lado vendo-me abrir a caixa devagar. Estava cheia de papéis mas o cima estava escrito bem grande:

"PARA HARPER, MINHA FILHA DO CORAÇÃO, TODAS AS CARTAS QUE ESCREVI PENSANDO EM VOCÊ DESDE O DIA DO SEU NASCIMENTO."

Eu li em voz alta, uma por uma, controlando para não inundar a casa tal como Alice fez no país das maravilhas.

"Querida Harpie,
Hoje recebi a notícia que você nasceu, infelizmente não pude estar ao lado de sua mãe como eu havia prometido mas te digo que sempre, para sempre, até que Deus decida minha hora de partir, eu estarei te orientando da melhor maneira."

"Querida Harpie,
No dia do meu casamento, te vendo andar pelo corredor da igreja jogando pétalas de flores no chão fez meu coração pulsar forte. Quero que minha filha seja como você, criativa, bonita, inteligente e com um coração enorme que tens."

"Querida Harpie,
Obrigada por me deixar ser sua mãe. Obrigada por me chamar de mãe. Você faz com que a dor de não poder ter um filho seja mais leve."

"Querida Harpie,
Vi uma matéria que está usando drogas, não pude acreditar. Acredito que com o nosso amor, apoio e ajuda você vai sair dessa feliz e saudável como sempre foi. Não te julgo, não te condeno, quero somente ver a minha filha feliz."

"Querida Harpie,
Não acredito que está se casando! Fico feliz por saber que encontrou alguém como John, espero que ele tenha te mostrado como o amor realmente é. Da forma a qual Patrick ama Jane, da forma a qual Luke me ama. Espero que seja tão feliz quanto eu sou."

"Querida Harpie,
Você está grávida! Não posso expressar em palavras minha alegria em te ver dessa forma, saudável, formando uma família tão bonita. Eu já amo esse bebê tanto quanto eu te amo!"

"Querida Harpie,
Parabéns pelo nascimento da Brooke! Mais uma menininha para o nosso coração, eu te amo, eu te amo eu te amo! Obrigada por nos presentear com o doce que é a sua filha."

"Querida Harpie,
Obrigada."

Olhei para John com a última carta endereçada a mim em mãos, a data era 8 de Janeiro.

Meu marido não falou nada, apenas me deitou em seu peitoral e acariciou minha cabeça protegendo-me de tudo. Eu sinto falta de seus carinhos...

A Misteriosa Vida de Harper YoungOnde histórias criam vida. Descubra agora