Desejo Apertado

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O ônibus estava lotado. Horário de pico. Aquele aperto insuportável.

De repente, Karen apareceu do meu lado. Ela devia ter subido no último ponto.

Karen é uma ex peguete. Tivemos um lance carnal no passado.

Lembro que, na escola, ela era alvo de comentários cruéis, chamada de piranha só porque gostava de beijar na boca. E os xingamentos não a fizeram mudar sua personalidade. Na vida adulta, transava e falava de sexo porque gostava. Sempre admirei esse tipo de mulher: livre, sem medo de expressar o que sente. Diferente daquelas que seguem dogmas religiosos e, como papagaios, repetem o que ouviram sem se questionar. As Karens são as melhores. Elas querem experimentar e viver, indiferentes aos cochichos alheios.

Eu e ela exploramos inúmeras fantasias juntos. Confiamos um no outro para falar sobre nossos fetiches. Como resultado, descobrimos juntos prazeres inimagináveis, e o mais impressionante: sem envolver sentimentos. Foi maravilhoso. Mas ficou no passado.

No ônibus, eu já estava irritado com a situação, espremido, xingando mentalmente todos à minha volta. No pensamento, a cada esbarrada, a cada pisada no pé, eu amaldiçoava as três gerações passadas do sujeito.

— Tá cheio hoje, né? — disse uma voz feminina ao pé do meu ouvido.

Porra, sua vaca, vai parar logo aqui e ainda puxar papo? Vai pra put...

— Ah, oi, Karen! Nem vi que era você. éh.. e ai? lotado, éh, nem fala... - gaguejei ainda surpreso.

Depois das amenidades e quebra-gelo de praxe, finalmente sorri ao repara-la. 

Ela continuava linda. A roupa de escritório e os óculos lhe caíram bem. Cintura fina, quadril largo... Exalava sensualidade. Não consegui evitar olhá-la dos pés à cabeça.

— Me deixa passar pra sua frente. Aqui onde estou é passagem, tá complicado — pediu ela.

Quando ela ficou na minha frente, nossos corpos se colaram. Ela deixou os cabelos esbarrarem em mim. Senti o perfume de suas mexas. Um aroma de frutas vermelhas. Eu conhecia aquele cheiro de outros carnavais. Tive uma ereção. Ela percebeu e pressionou ainda mais o corpo contra o meu.

Todas as nossas aventuras, volúpias e safadezas do passado passaram como um filme em minha cabeça. A libido subiu. Minha vontade era arrancar a roupa dela ali mesmo, no ônibus. Mas os filtros morais logo entraram em cena: estávamos em público e, além disso, eu era casado agora.

— Ficou animadinho do nada, é? — provocou ela, com um sorriso malicioso.

— Lembranças de outros tempos. Tô fazendo errado? — sondei de forma marota.

— Não sei. Eu sou a solteira aqui. Você tá fazendo errado? — Karen devolveu a pergunta.

Era impressionante como ainda sabíamos jogar um o jogo do outro depois de tantos anos. Sempre foi assim, dialogando para saber até onde ia o limite do outro. Então respondi:

— Ainda não. Não cruzei nenhuma linha... — tentei falar baixo, envergonhado, pois desconfiei que uma ou duas pessoas ouviam nossa conversa. Eu não queria que soubessem o que estava acontecendo, muito menos que desconfiassem que eu estava excitado ali. Um homem branco, hétero e classe média com uma ereção num onibus lotado poderia facilmente se transformar em linchamento. Até explicar que focinho de porco não era tomada...

Karen, por outro lado, parecia estar gostando da situação. Quanto mais proibido e perigoso, melhor. Ela sempre foi dessas. E sabia exatamente como usar isso para mexer comigo.

Eu roçava na altura do seu umbigo, devido à nossa diferença de altura.

Se um dia as ruas esburacadas foram motivos de reclamação, já não eram mais. Na verdade eram a solução. Quanto mais o ônibus balançava, mais sarro.

— Só quero tirar uma casquinha. Afinal, não tenho pra onde fugir — disse, olhando ao redor como quem tenta justificar a situação.

— Então aproveita, porque o ponto onde o ônibus esvazia está chegando — respondeu ela, instigando ainda mais meus desejos.

Alguém me deu um esbarrão, meu corpo fez um movimento de subida e descida e eu senti como se estivesse começando a transar com Karen. "Esbarrem mais, por favor", pedi mentalmente.

O movimento dela, os seios encostando no meu peitoral, o decote próximo... Estávamos praticamente deitados um sobre o outro, mas em pé. Olhei para o vazio, tentando desviar os pensamentos, mas a vontade de devorar aquela mulher só aumentava.

"É errado. É errado", repetia para mim mesmo.

Karen notava meus conflitos internos e só deixava o corpo mole recair sobre o meu. Fingindo inocência. Ah, como aquilo me excitava.

Por mim, ficaria ali até melar a cueca, tal como os jovens dos anos 80 faziam nos lendários "baile do mela cueca", onde a euforia do corpo a corpo era permitida. Será que eu estava virando um dos velhos de baile? Agora eu os entendia. "Só dançar conforme a música não tem problema", justificava pra mim mesmo.

Girei o quadril discretamente, aproximando meu membro rijo do braço de Karen. Se ela me tocasse às escondidas, eu estaria indefeso. Era inocente.

Se ela percebeu meu movimento ou não, nunca saberei, mas não houve toque.

A cada solavanco, mais atrito. Ela balançava o corpo de propósito, me testando. Ela sabia que eu estava enlouquecendo.

O ônibus, que instantes antes era meu pesadelo e minha tortura como trabalhador, transformou-se numa fantasia erótica. Como pode mudar tão rápido?

No ponto onde o ônibus esvaziaria, do nada, Karen desceu também. Mal consegui me despedir, ocupado em tentar esconder minha ereção. Ela ria, uma risada em duplo sentido, como quem diz "agora vai ter que se virar sozinho".

— A gente se encontra um dia, beijos — disse, acariciando meu rosto enquanto descia do ônibus.

Fiquei meio desnorteado. Depois, quis ir atrás dela, mas resisti. Meu corpo pedia mais daquele roçar, mas minha mente sentiu-se aliviada ao ver a porta do ônibus se fechar e a situação resolvendo-se sozinha, impossibilitando qualquer impulso.

Fiquei com mil pensamentos na cabeça. Transar com Karen parecia tão certo. Tanta química, tanto feromônio... Como podia ser errado?

Desde então, ando de onibus lotado sem reclamar, numa vã esperança de esbarrar novamente com Karen em meio a multidão.

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⏰ Última atualização: Sep 26 ⏰

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