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[ não sei o que acontece que a configuração do texto ficou horrível no celular 😥 escrevo no PC, e edito bonitinho, mas quando vejo no celular... puft. Fica feio. Sei que os parágrafos ajudam no ritmo da leitura, então por favor, considerem isso.]


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A indústria do entretenimento é baseada em uma única diretriz: escapismo.
Você assiste um filme e por duas horinhas esquece que a sua vida é uma merda. Quando lê um livro ou história em quadrinhos, sua existência parece menos vazia. Quando ouve uma boa música, ela pode se tornar a trilha sonora da sua manhã, a melodia que te anima para enfrentar a rotina.
É por isso que existem celebridades, é por isso que passamos tanto tempo fugindo da realidade. Livros, filmes, jogos... Tudo por alguns minutos de escapada da dura realidade em que vivemos.
Não existe amor à arte, é tudo pelo entretenimento. É mercado. É dinheiro.


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"É um bom texto, Faye. Mas tá bem diferente da proposta inicial. E falta alguma coisa. Um tempero, um molho.", Tanya reorganizou os papéis, colocando de volta o prendedor. "Talvez porque a sua última aventura romântica acabou mal...", evitou encarar Faye por medo da resposta.

"Como é que é?!", perguntou, as sobrancelhas arqueadas demais, como quem não acredita no que ouviu.

"Se você saísse mais e vivesse mais experiências positivas... talvez fosse mais simples escrever sobre isso. Faz parte do seu processo criativo que eu sei, tirar histórias das situações que você vive, das histórias dos seus amigos...", Tanya tentava soar casual, não queria uma discussão sobre criatividade àquela hora da manhã.
Faye mordeu o interior da bochecha, também não queria discutir. Caminharam juntas em direção à sala de reuniões onde a editora-chefe esperava. Faye passou pela janela de uma das salas de produção e bateu no vidro, acenando para alguém lá dentro. "Yoko!", chamou sem gritar.
Em poucos segundos a colega se aproximou, uma mulher baixinha de cabelo preso em rabo de cavalo e óculos de armação fina. "Já vai pro abatedouro?", perguntou brincalhona. Faye fez uma careta e bagunçou o cabelo da amiga. "Já terminou suas páginas?", implicou em resposta.
Yoko sorriu. Assistiu Faye se afastar e entrar na sala de reuniões. Voltou para sua escrivaninha, os lápis de cor espalhados. Ela foi contratada há menos de seis meses pela Editora como ilustradora e trabalhava com livros infantis. Ficaram amigas rápido, logo dividindo algumas refeições e longas caminhadas.
Ela sabia que Faye detestava reuniões com os editores, principalmente os editores-chefes. Ela dizia que eles pressionavam muito e faziam muitas exigências, sugerindo mudanças que não faziam sentido nas suas histórias.
"Eu quis ser escritora pra contar minhas próprias histórias, Yoo. Não pra ficar recebendo pitaco de gente que só pensa em vender livro. Essas histórias são um pedaço de mim, sabia? Não existe receita... são as minhas palavras, o que tenho de mais valioso.", lembrava sempre das palavras que a inspiravam. "Essas histórias são um pedaço de mim".
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A escrivaninha de Yoko tinha uma gaveta reservada para os rabiscos, os papéis que ela não deixava ninguém olhar. Hora um desenho mais cuidadoso, hora um rabisco mais desleixado, com marcas de café ao redor do papel, mas sempre a mesma modelo. Faye era a pessoa que mais ocupava seus pensamentos e, consequentemente, os seus desenhos.
Não ousava tentar nada. "Nós somos amigas.", era o que dizia sempre que alguém perguntava sobre os reais sentimentos por Faye. Mas não teria como negar que gostava da atenção de ser confundida com sua namorada.
Enquanto Yoko tentava se concentrar no trabalho, do outro lado do prédio Faye andava pelo corredor despreocupada, com as mãos no bolso da calça. Entrou na sala de reunião tranquila, mas aquela tranquilidade logo ia passar.

"A reunião hoje é pra falar sobre os avanços do seu livro.", começou Marissa, uma das editoras assistentes. "Não há avanços.", concluiu, olhando Faye e Tânia, que estavam sentadas à sua frente, como quem espera uma resposta. Ela segurava uma prancheta e parecia insegura sobre dizer alguma coisa que gerasse conflito.
A tensão crescia lentamente.
"Como assim? Eu enviei quase cem páginas pra revisão. Vocês não conversam entre si?", Faye provocou, irritada, apontando entre Marissa e Ice, a editora-chefe. Insinuou abertamente que a falta de comunicação entre as mulheres do outro lado da mesa havia gerado um mal entendido.
Ice interveio. Uma ponta de irritação na sua voz. "A história que você entregou ficou bem diferente do que prometeu.".
"Bom, eu tive uma ideia melhor. Sou uma artista, não posso me limitar a um roteiro que já passou.", Faye deu de ombros, cruzando os braços e relaxando na cadeira. "Não entreguei uma boa história?", perguntou, a personalidade forte facilmente confundida com desrespeito.

"Assinamos com você para publicar um romance, e não uma carnificina.", Ice manteve a voz calma, ainda que precisasse pressionar a autora.
A verdade era que, quando começou o livro, Faye tinha uma namorada. Ao longo dos meses, a relação ficou desagradável e acabou mal. E o que começou como uma história de amor, uma declaração apaixonada à namorada, se tornou uma versão pouco amigável da sua própria história, com direito a traição, pancadaria e xingamentos. Assim como seu relacionamento passado.


Marissa suspirou, ela falava manso, tentando não piorar a atmosfera da situação. "Você assinou um contrato, Faye. Não pode simplesmen-"
Faye não ouviu mais nada, o sangue subiu à cabeça, não tinha como se conter.

"Você quer que eu escreva o quê? Um romance hétero onde um homem 20 anos mais velho do que a mocinha de vinte e poucos anos apresenta um comportamento obsessivo por ela?", cruzou os braços, brava.
" Talvez um romance hétero sobre um psicopata que persegue a mocinha e ela acha o comportamento abusivo dele uma coisa fofa?", levantou, encarando todos na sala.
" Ah, melhor! Um romance HÉTERO com uma protagonista que só se sente viva quando se envolve em um romance esquisito com um cara esquisito que tem manias esquisitas e traz um final equisito!", - ela praticamente gritava, descabelada, as roupas amassadas. Os olhos esbulhados como um forte sinal de fúria.
Faye não tinha mais o que dizer, seu olho tremia. Ninguém na sala esperava aquela reação e as coisas não pareciam que iam se acalmar tão cedo. 


Ice ficou nervosa. Olhou Marissa, que parecia um pouco assustada. "Não grita com ela!", bateu na mesa, irritada. Se Faye queria brigar, ela não ia se opor. Mas Marissa não queria conflitos, ainda mais sob os olhares de outros autores do lado de fora da sala.


Faye respirou fundo, percebendo a burrada. "Desculpa, Marissa. Eu só...", suspirou. "Eu vou refazer, e seguir o roteiro original.", levantou da cadeira um pouco constrangida.
"A proposta é que os leitores se encantem com o romance, e não que desistam do amor. Era esse o roteiro original",  Marissa esclareceu com a voz mansa, ela costumava apaziguar conflitos entre Ice e autores exaltados. 


Faye agradeceu mentalmente por não ter que sustentar uma briga. Ela se sentia muito mais cansada dessa reunião de poucos minutos do que estaria por uma semana inteira. Saiu da sala com Tanya seguindo seus passos bem de perto.


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"Sou sua editora, Faye... mas também sou sua amiga. E por isso vou te dizer isso com todo carinho, tá?, Tanya respirou fundo, paciente, enquanto voltavam pra salinha que dividiam.
"Você assinou um contrato, elas tem total razão. Tem dinheiro envolvido e você já recebeu mais da metade do pagamento. Você vendeu um romance, Faye... se organiza e escreve um!", Tanya argumentou, tentando não ser tão dura. Por mais que Faye merecesse uma bronca, ela não queria ser a pessoa a fazer isso. 
"Não sei como vai resolver isso. Mas vai ter que resolver."


Tanya saiu da sala pra buscar um café, esse seria um longo dia. Da sua mesa, Faye viu Yoko aparecer na janela. Ela sorriu caridosamente e grudou um post-it no vidro da janela, fazendo Faye levantar pra ler o bilhetinho.

Sorriu quando pegou o papel. "Só você mesmo, Yoo... Te adoro.", bagunçou o cabelo da amiga depois de desgrudar o bilhete da janela e grudar na própria camisa, perto do coração. Passaria o restante do dia exibindo aquele papelzinho amarelo com um coração desenhado.

Namorada de IA (FayeYoko)Onde histórias criam vida. Descubra agora