Capítulo 10 - O Primeiro Ato da Forja

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O som metálico do martelo contra o aço ressoava na forja secreta, ecoando pelas paredes, enquanto Davi trabalhava com uma intensidade que nunca antes havia sentido. Ele não sabia exatamente o que estava fazendo, mas seus instintos, guiados pelo poder do Rei Ferreiro, pareciam conduzir suas mãos com precisão. A chama da fornalha cintilava com cada golpe, iluminando o espaço escuro com uma luz bruxuleante.

O calor era sufocante, e o suor escorria pelo rosto de Davi, mas ele não se importava. Era como se algo dentro dele tivesse finalmente despertado, como se aquela ação fosse a coisa mais natural do mundo. Cada movimento de seu braço parecia sincronizado com o ritmo do universo. O metal brilhava em tons alaranjados, moldado a cada golpe firme e decisivo.

— Continue, garoto — a voz grave do Rei Ferreiro ecoou em sua mente, agora mais clara e poderosa. — Sinta o metal. Entenda sua essência. Não o force a ser o que você quer, mas deixe que ele revele sua verdadeira forma.

Davi não parou. Ele podia sentir algo profundo dentro daquelas palavras, algo que ressoava com ele de uma forma inexplicável. Seus dedos calejados se ajustavam ao martelo, sua mente se expandia, e o metal em suas mãos parecia pulsar com uma energia própria.

Enquanto trabalhava, a voz do Rei Ferreiro voltou a se manifestar, desta vez menos como uma instrução e mais como uma revelação.

— Ouça Davi, muito antes de me tornar uma constelação, eu era conhecido como Kaelion, o Forjador de Destinos. Eu forjava armas para reis, heróis e deuses. Minhas criações eram lendárias, não pela força do metal em si, mas pela alma que eu lhes infundia. Cada lâmina que saia de minhas mãos carregava a história daqueles que a empunhariam.

Davi continuou martelando, atento às palavras do Rei Ferreiro. O metal começou a tomar forma lentamente, embora ele ainda não soubesse exatamente o que estava criando.

— Mas houve um tempo em que esse dom se tornou minha maldição. Fui chamado por um imperador tirano para forjar uma arma capaz de subjugar todos os reinos. Ele queria algo que pudesse dobrar a vontade dos deuses. Eu recusei... e paguei o preço. Fui traído, exilado, e finalmente aprisionado no cosmos, condenado a vagar como uma constelação, uma sombra do que fui.

Kaelion fez uma pausa, como se estivesse revivendo os eventos de sua vida. Davi, por sua vez, continuou a trabalhar o metal, cada martelada parecendo mais pesada com o peso da história que ouvia.

— Meu nome foi apagado da história, mas minhas criações ainda persistem, ocultas nas lendas e mitos. Agora, garoto, você carrega meu legado. E não pense que isso será fácil. O caminho que escolheu, ou que foi escolhido para você, é repleto de desafios que poucos sobrevivem. Mas se você dominar esse poder... — A voz de Kaelion tornou-se quase um sussurro. — Você será capaz de forjar seu próprio destino.

Davi parou por um momento, o martelo erguido no ar, enquanto processava tudo o que ouvira. Ele não sabia que havia aceitado esse caminho, mas a cada instante que passava, mais se sentia conectado ao metal, à forja, e ao legado de Kaelion.

— Por que eu? — Davi finalmente perguntou, sem parar de trabalhar.

— Porque você é o único com uma alma quebrada o suficiente para se unir à minha. — Kaelion respondeu, sua voz fria. — Uma alma que sofreu e que ainda sofrerá. Uma alma que entende o preço de ser subestimado. Assim como eu fui, você foi descartado pelos outros, considerado insignificante. Mas, assim como eu, você tem um fogo que não pode ser extinto.

Davi abaixou o martelo e olhou para a lâmina incandescente diante dele. Ela ainda não estava completa, mas algo sobre ela parecia... diferente. Uma energia fluía através do metal, uma vibração que ele nunca sentira antes.

— Essa arma — Kaelion disse, enquanto Davi se preparava para continuar o trabalho. — Não será apenas uma lâmina. Ela será uma extensão de você. Uma arma com alma própria. Sua primeira criação verdadeira. E, lembre-se, cada arma que você forjar carregará uma parte de sua alma. Seja sábio em suas escolhas.

Davi assentiu, absorvendo o conselho. Ele levantou o martelo mais uma vez, e, enquanto o baixava sobre o metal, sentiu algo diferente desta vez. Uma conexão mais profunda. Como se o martelo estivesse moldando não apenas o aço, mas sua própria alma.

As chamas da fornalha dançavam intensamente, refletindo no metal que começava a brilhar com uma cor peculiar. O vermelho quente do aço sendo moldado parecia ter traços de azul, como se o fogo estivesse respondendo à alma de Davi.

— Qual é o propósito desta arma? — Kaelion perguntou, seu tom mais grave.

Davi hesitou. Nunca havia pensado no propósito de uma arma. Para ele, até aquele momento, uma espada era apenas uma ferramenta de combate.

— Ela... — ele começou, buscando as palavras. — Será minha defesa. Mas também será minha voz. Quero que ela mostre a todos que eu sou mais do que pensam.

— Um propósito nobre — Kaelion admitiu. — Mas lembre-se, garoto, uma arma nunca é apenas para defesa. Ela destrói. Ela toma vidas. E você, Davi, precisa aceitar o que isso significa.

A mente de Davi girava enquanto ouvia as palavras do Rei Ferreiro. Ele sabia que a jornada que estava começando não era apenas sobre se tornar mais forte, mas sobre abraçar o seu poder. Ele respirou fundo e concentrou-se novamente no metal.

As últimas marteladas foram dadas com uma precisão quase perfeita. A lâmina finalmente tomou sua forma final, brilhando intensamente na fornalha. Davi a levantou, sentindo o peso equilibrado, a perfeição do corte. Era uma arma, sim, mas mais do que isso: era um reflexo de sua própria força.

— Dê-lhe um nome, garoto. — A voz de Kaelion ecoou. — Toda arma que possui uma alma merece ser nomeada.

Davi olhou para a lâmina brilhante, sentindo a conexão profunda entre ele e o objeto que criara. Um nome surgiu em sua mente, quase como se fosse sussurrado pelas próprias chamas.

Voraz — ele disse em voz alta. — Seu nome será Voraz.

Kaelion riu baixinho em aprovação.

— Um nome apropriado. Agora, guarde-a bem. Ela será sua aliada nos momentos mais sombrios.

Davi segurou a espada com firmeza, sentindo uma nova onda de poder fluir por seu corpo. Ele não sabia o que o futuro reservava, mas naquele momento, pela primeira vez, sentiu que estava pronto para enfrentá-lo.

Entre Correntes e Espadas: Ecos dos poderososTempat cerita menjadi hidup. Temukan sekarang