Capítulo 15

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Aquilo era um hall de cimento e madeira bem pensado. Era simples, inegavelmente, mas bem organizado, um balcão em frente e duas partes atrás, uma que deveria levar a dormitórios e às celas provisórias, a gabinetes e salas de interrogatório, sabe-se lá mais o quê. A outra porta, certamente a outros lugares...

Porém, a entrada não mostrava nada dos assuntos que eram tratados mais adentro do edifício. Era branca e cinzenta, com posters de propaganda da paz e dos Ismetris a decorar as paredes das portas, como se fossem um disfarce. Para além destes, mais simples decoração não conseguia imaginar para aqui a não ser o branco despido.

Uma mulher de coque alto encontra-se atrás do balcão limpo e organizado. Assim que me aproximo dela, percebo um leve odor a tabaco no ar.

- Em que posso ajuda-la? - pergunta, sem sequer levantar os olhos enquanto folheia uma pasta.

- Hm.. Owl?

Ela levanta o olhar e sorri-me, estendendo uma mão para a direita.

- Já sabe o caminho, não?

Acho que rio de nervosismo quando contorno o balcão para o lado onde aponta, esperando não ser uma partida. Disseram-me que esta seria a "palavra-passe", mas sinto-me demasiado nervosa para pensar coerentemente e com confiança. Deus pai nosso senhor, ajuda.

A porta faz clic quando a abro e clac quando a fecho. Do outro lado, um corredor longo estende-se à minha frente.

Foco, Moon. Já conheces isto como a palma da tua mão, lembras-te?

Lembro-me de caminhar com mais assertividade, estou a ser constantemente observada por câmaras e, daqui a pouco, por pessoas que conhecem a mulher de que estou disfarçada.

Viro à direita numa porta e entro numa sala ampla e limpa, com cadeiras e mesas e uma bancada com comida. No fundo da sala, uma última porta. Existem oito pessoas cá dentro.

- Boa tarde - cumprimento ninguém em especial. Deuses, não estudei quem são a maioria...

- Ei, Parker, como estás? - sorri-me a mulher de aparência mais velha atrás do balcão - Pareces cansada, querida.

- Hum, não dormi bem - tento sorrir e parecer normal.

- Oh, o Miguel deve andar a dar-te muito trabalho de novo, não é verdade? Aqui, tenho dos teus queques favoritos.

Ela estende-me um pequeno bolo e não consigo recusar, seria provavelmente suspeito e estranho para eles. Aceito-o e dou-lhe uma dentada.

Esforço-me por engolir e manter o rosto neutro. Não é fácil.

Tenho uma sorte do caraças.

Queque de ananás, que lindo. A única fruta a que sou alérgica.

É horrível.

- É delicioso.

A mulher bate palmas.

- Oh, querida, pensei em ti e fiz uns a mais. Leva, leva e come durante a tua pausa, o Miguel não há de te ver.

Quase tropeço ao me afastar do balcão.

- Obrigada, mas não, não, não tenho fome, por hoje já me chega um, talvez de tarde venha buscar outro - tento sorrir - É melhor ir, estou atrasada.

- Parker.

Meu deus, ainda nem comecei e já me lixei. Agora quem fala é um dos homens presentes a uma mesa. Reconheço de documentos que se chama Myle.

- S-Sim?

- Diz ao Miguel que me deve três roxo, sim?

- Ah. Sim, claro.

Respira.

- Adeus.

Abro a porta e clico no botão do elevador que é escondido por ela. Entro e assim que as portas se fecham, permito-me desabar só um pouco. Cuspo o resto da mastigação do bolo para um papel e bebo água, com sorte não desmaio nem fico com alguma reação alérgica ao fruto. Respiro, controlo-me e ajeito os óculos. Não posso levantar suspeitas. Todo o meu futuro depende desta missão.

Insiro o "meu" cartão no leitor do elevador, e este emite um bip e começa a descer.

Assim que as portas se abrem... Estou na NQ.

Não é nada como pensava.

Imaginava um tipo de inferno similar à AMON, talvez tudo metal ou tudo pura pedra polida com alcatifa manchada de sangue no chão e candelabros no teto. Imaginava pessoas vestidas de farda a fazerem rondas e câmaras e câmaras de segurança. Imaginava uma dezena de coisas que poderiam totalmente acontecer na AMON. Mas a NQ não irradiava... Medo.

O espaço era branco e bege, com mais algumas cores complementares. As paredes claras com quadros delicadamente pintados, o chão de mármore branco e dourado e as luminárias de um branco morno, tudo isso parecia acolher o visitante a "casa". Deve ter sido tudo planeado pelo Estado, talvez. O plano arquitetónico é muito semelhar ao da AMON, no entanto.

Pessoas passeavam de cá para lá, com documentos em mão. Algumas viam-me e acenavam, e eu sorria. Mas não posso deixar meterem conversa comigo. Tenho que me despachar.

Memorizei os locais a que tinha de ir. Portanto, caminho até um cruzamento e viro à direita. Não tardo muito a chegar a uma espécie de beco com uma única porta onde se lia "Projetos em Desenvolvimento 3". Trancada. A chave de acesso é digital, o cartão de membro da NQ.

Aproximo o cartão da Parker ao leitor e a porta faz um bip, destrancando-se. Entro e fecho-a atrás de mim.

A sala é iluminada por um candeeiro de luz branca intensa e é constituída por uma série de estantes de metal posicionadas em todas as paredes brancas, já a dobrar com o peso de caixas de plástico e cartão. No centro, uma mesa com planos e papéis em cima, instrumentos de desenho, objetos estranhos. Atrás, mais caixas empilhadas a abarrotar de documentos.

Precipito-me para a mesa e vasculho-a. São planos para uma espécie de projeto que me parecem uma arma, mas não me parece que sejam o que procuro. Esta é demasiado grande para ser planificada assim.

Remexo tudo o que encontro, mas nada me parece ser o alvo. Poderia ir ver as caixas, mas não faria sentido, é um projeto em desenvolvimento, não o iriam arquivar a não ser que estivessem a dar prioridade a outro projeto, o que não me parece ser o caso.

Acabo por decidir que não é esta a sala que guarda o que o Raven procura, e destranco a porta para sair.

Congelo.

Na parede do lado direito, inclinado e de sobrolho franzido, um homem de cabelo raso encaracolado e loiro perfurava-me com o olhar. Vestia roupas casuais, como se este sítio fosse apenas um ginásio, e não parecia demasiado feliz por me ver.

- Pensava que hoje tinhas o turno do laboratório quatro.

Lembra-te de te manteres no personagem, Moon. Respira.

- Verdade. Confundi-me. Ia agora para lá.

Os seus olhos azul glaciares varrem-me de alto a baixo e sinto um arrepio nada agradável. Apercebo-me de que nunca tinha atuado numa missão tão elaboradamente perigosa e sofisticada como esta.

Ele dá dois passos e subitamente está à minha frente. Deve ser só três ou quatro centímetros mais alto do que eu, pelo que consigo fixá-lo nos olhos e falar cara a cara com ele. Não que tenha muita vontade de o fazer.

Mais rápido do que devia, a mão dele fecha-se em torno do aro dos meus óculos e retira-mos, colocando-me uma mão no peito para não me poder lançar a ele.

- Não podes seriamente pensar que acredito que és a Parker.

OK.

Estou morta.

Segredos de SangueOnde histórias criam vida. Descubra agora