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Amanhã.
Quatro horas.
O mundo parecia congelado ao meu redor, mas não era o tipo de imobilidade pacífica que antecede o amanhecer. Era algo opressivo, sufocante, como se o tempo tivesse decidido me encarcerar naquele instante, me forçando a absorver cada detalhe do quarto em que me encontrava. Eu estava caída ao lado de uma poça de sangue, a luz pálida da lâmpada acima projetando um brilho frio e quase inumano. Dez horas se passaram enquanto eu olhava fixamente para aquele teto, os olhos ardendo sob a claridade impiedosa, a mente girando em um redemoinho de ecos vazios. O tempo não passava; ele pairava. Uma presença silenciosa, mas esmagadora.
Minha visão era uma aquarela manchada, um borrão de cores mortas que só enfatizava o cheiro metálico do sangue seco na minha pele. Meu corpo era um lembrete áspero de algo que eu não conseguia tocar completamente — um acontecimento, um instante congelado no fundo da minha memória, como uma ferida exposta ao ar, recusando-se a cicatrizar. E, ainda assim, não havia arrependimento. Nem um fragmento dele. O homem estirado no chão não era digno disso. Seu rosto, agora rígido e sem vida, ainda exibia traços daquela arrogância que me fez odiá-lo tantas vezes. Ele parecia olhar para o infinito com a mesma presunção, como se até a morte fosse incapaz de apagá-la.
Porém, ele não era mais nada. Nada além de carne sem propósito. Um verme, um predador desarmado que encontrou sua presa errada. Ele havia caído de um pedestal que eu mesma fiz questão de derrubar.
Pisquei devagar, tentando me afastar das sombras que rondavam minha mente, mas elas permaneciam. Meu corpo tremia enquanto eu me levantava, cada músculo tenso, protestando. A caminhada até o banheiro foi um desafio; as paredes pareciam se mover, as sombras brincavam nas margens do meu campo de visão. O chão oscilava sob meus pés como um barco à deriva, e eu era apenas uma passageira que tentava sobreviver à tormenta.
Eu estava nua. A percepção veio com a frieza de uma lâmina, cortando através do torpor que me envolvia. Minha pele parecia desprotegida, como se o mundo pudesse me atingir de forma ainda mais cruel. Mas a nudez era irrelevante diante da única certeza que eu tinha: ele estava morto. Ele, que já não podia ferir ninguém.
No banheiro, o espelho foi meu primeiro inimigo. A figura que me encarava era um fantasma, uma criatura saída de um pesadelo febril. Sangue cobria minha pele em traços disformes, mapas de violência que contavam histórias que eu mal conseguia decifrar. Meu cabelo, embaraçado e caindo em mechas rebeldes, emoldurava um rosto cansado, olhos fundos escondidos sob sombras escuras, como cavernas ocultando segredos terríveis.
A pia se tornou meu refúgio. Meus dedos encontraram a torneira com dificuldade, girando-a até que a água gelada jorrasse, incerta como eu. Formei uma concha com as mãos trêmulas, levando o líquido ao rosto. O frio me atingiu como um tapa, mas não foi o suficiente para apagar as marcas. Esfreguei a pele com uma força desesperada, minhas unhas arranhando os resquícios de sangue como se pudessem arrancar a memória junto.
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OBSESSÃO PROFANA
أدب الهواة━━━━━━━━ Angélica Collins é uma mulher de fé, cuja rotina pacata é marcada pelas idas à pequena igreja de sua cidade. Lá, ela busca paz e conforto em meio ao caos, sem saber que é o centro da obsessão de alguém que deveria representar segurança. O...