O incessante tique-taque preenchia o ar rarefeito da sala, um som mecânico e indiferente que se misturava à solidão gelada do necrotério. Cada batida soava como um lembrete constante e cruel da fragilidade da vida, e, ao mesmo tempo, da eternidade do tempo. O relógio, com seu ponteiro que avançava com a frieza de uma foice invisível, parecia zombar dos esforços humanos de controlar o destino. Para Alistair, o tempo ali dentro era um conceito distorcido. Os dias e as noites se misturavam, e os rostos dos mortos que ele dissecava eram apagados pela neblina do esquecimento. Ele já não sabia ao certo se estava há horas ou semanas ali, preso na rotina de estudar corpos inertes, como se procurasse uma resposta que nunca viria. Ao seu redor, o cheiro espesso de formalina impregnava o ar, uma fragrância amarga e antisséptica que parecia enfiar-se em seus poros. Era um odor que ele conhecia bem—tão familiar quanto o cheiro da terra molhada de um cemitério antigo. A formalina, com sua presença tóxica e preservadora, carregava consigo um paradoxo: evitava a decomposição e mantinha os cadáveres intactos, mas ao mesmo tempo era incapaz de deter a passagem inevitável do tempo. Assim como Alistair, que passava pelas horas em um estado de suspensão, incapaz de avançar ou retroceder. As lâmpadas pendentes lançavam uma luz fria e sem alma sobre as macas de aço, transformando os corpos pálidos em esculturas grotescas de carne e osso. A iluminação artificial criava sombras duras que dançavam nas bordas da visão de Alistair, formas distorcidas que pareciam ganhar vida própria. O necrotério, com suas superfícies de metal polido e seu silêncio cavernoso, tinha o ar de um templo profano, onde a morte era uma divindade invisível e onipresente.
Alistair se sentia confortável ali, no limiar da morte, onde o silêncio pesado trazia uma estranha forma de consolo. A morte, para ele, era uma companheira silenciosa e implacável. Desde o dia em que perdera Margaret, sua amada esposa, ele se afundara cada vez mais nos recessos sombrios de sua profissão, como se ao dissecar os corpos pudesse, de algum modo, encontrar o sentido que lhe escapara. O silêncio que reinava no necrotério tinha uma qualidade quase espiritual. Era profundo, sufocante, como se o próprio ar estivesse impregnado com o eco distante dos gritos daqueles que tinham atravessado o limiar para o desconhecido. Era neste silêncio, neste ambiente onde o pulsar da vida era apenas uma memória distante, que Alistair encontrava sua única forma de paz. O vazio deixado pela morte de Margaret era como um buraco negro em seu peito, sugando toda alegria e propósito que um dia ele conhecera. Ela fora sua âncora, sua bússola, e sem ela, Alistair sentia-se à deriva em um mar de desesperança. Não havia mais risos, nem promessas de futuro, apenas a fria certeza de que ele estava sozinho. Ele passava horas encarando os corpos que dissecava, imaginando o que os olhos mortos poderiam ter visto em seus últimos momentos, se também haviam experimentado a perda, o terror final de serem esquecidos pelo mundo.
Desde a morte de sua esposa, Margaret, a luz de sua vida se apagara, deixando um vazio que ele tentava preencher com o trabalho incessante e os estimulantes que engolia em doses cada vez mais altas. As pílulas, pequenos comprimidos brancos que prometiam clareza mental e energia, tornaram-se sua única tábua de salvação. No começo, ele tomava uma ou duas para espantar o cansaço; a mente brilhava com uma energia artificial que o fazia esquecer, por algumas horas, o buraco negro que habitava seu ser. Mas com o tempo, as doses aumentaram. Logo, a realidade se tornara enevoada, os dias se misturando em uma sequência interminável de corpos dissecados e noites insones. Alistair estava ciente de que seu vício em estimulantes estava fora de controle, mas ele não se importava. A alternativa, encarar de frente o vazio deixado por Margaret, era insuportável. Nos raros momentos em que as drogas perdiam o efeito, a dor da perda surgia de maneira tão brutal e crua que ele mal podia respirar. Era nesses momentos que os pesadelos voltavam com força, como fantasmas que o assombravam nas profundezas de sua mente exausta. O rosto de Margaret, com os olhos vazios, o encarava em seus sonhos, e ele acordava com o suor escorrendo pelo rosto, ansiando por mais uma dose.
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Nas Sombras do Desconhecido
HorrorEm uma cidade pequena e pacata, Alistair, um médico-legista atormentado pela perda da esposa, se vê imerso em uma série de mortes misteriosas que desafiam toda a lógica. Corpos destroçados e marcados por uma força inumana começam a aparecer, levando...