II - Fardo

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Umbrella Renoir não é mais jovem, mas desejava ter continuado ingênua.

Hoje, aos dezessete anos, ela ocupa o espúriado cargo, que sempre pertenceu e sempre pertenceria a Parasoul. Sentava-se numa cadeira todo início de noite, papéis, papéis, papéis e mais papéis para ler, mas se sentia deslocada. Uma intensa e duradoura aflição, uma sensação de não pertencer, não ter conquistado nada, da qual queria fugir, mas não ousaria. Antes princesa, e daqui a pouco rainha, sonhava em ter nascido fora do berço de ouro, banhado em brasas de uma família manchada pela desgraça. O sangue queimava, correndo nas veias, impurezas que levam momentos, trazem traumas à tona, viscoso como as lágrimas do Diabo, queria secar, até eternizar, no frio dissipar, e ser parte de algo menor. Não pediu pra nascer, foi barrada de crescer, estampando sorrisos burocráticos enquanto tentava ignorar o poço apocalíptico que sabia que estava bem abaixo do nariz de toda a família Renoir. Umbrella cresceu, sem alcançar as almejadas estrelas, se viu plantada num plano infertil e enfim cortaram suas asas quando ela morreu.

Sem sua irmã, a vida era difícil. Mesmo com incontáveis privilégios, recursos beirando o infinito, pessoas em todo canto, soldados e cabos, que ela poderia cumprimentar na terça e ir ao funeral na quarta. Era absurdamente ridículo para Umbrella, o quão baixo chegava o valor de uma vida, em meio às trincheiras, seja no céu ou num campo aberto, um tiro pode tirar tudo de alguém, e esse alguém nunca será relevante o suficiente para ser digno do luto.

Hoje, o mundo acordou com medo. É outro dia de guerra, nada de novo nas fronteiras esfumaçadas. Milhares estão morrendo, mas não se incomode. Enquanto homens inocentes dão sua vida para uma nação vagabunda, Umbrella está com a bunda sentada numa cadeira preenchendo papelada sobre "Notas de falecimento", ou qualquer merda assim. Estava escuro no cômodo, o ápice do requinte. Apenas uma luminária na ponta da mesa permitia que ela lesse e escrevesse. Com uma caneta tão cara quanto milhares de pratos de comida que colocariam sorrisos nos rostos de desprovidos, Umbrella estava borbulhando de ódio.

Odiava sua história, odiava a guerra, odiava as diferenças que a separavam do povo que vem de baixo, odiava saber que não importa a linhagem, seja pai ou mãe seu sangue era imundo dos dois jeitos, tal qual o esgoto que se bifurca para se juntar. Odiava estar nesta sala estúpida, com papelada estúpida, com uma caneta estúpida, quando ela e Hungern deveriam estar na linha de frente, representando o Reino de Canopy do jeito certo.

Mas não. Aparentemente, Umbrella é agora importante demais para correr tais riscos. Última descendente da família, com seu pai a beira da morte, sua mãe tendo sido uma Skullgirl anos atrás, e sua irmã debaixo da terra, enterrada com glória ao morrer com o punho erguido. Desejava fortemente conseguir um final tão digno quanto o de Parasoul, para quem sabe, abandonar o ódio.

Os olhos vermelhos como inferno estavam ficando pesados com as sobressalentes olheiras. O cabelo rosa que perdeu a inocência se embaraçava conforme afundava seus dedos por entre as mechas, deixando seus cotovelos escorregarem até ficar debruçada de forma desleixada na mesa.

Ficar ali não iria resolver nada, nunca.

A guerra não iria parar, a Skullgirl não iria desaparecer, seu sangue sujo não iria ser purificado.

E ela não voltaria do céu.

É tudo tão inútil, é tudo tão exaustivo. Umbrella vê pessoas ao seu redor gritando com tons falsos de gentileza o quanto ela deve ser forte, sólida, se equiparar e superar Parasoul em seu encargo, mas ela não quer nada disso! Ela não nasceu pra isso! Você sabe o que tudo isso significa? É claro que não sabe! Você é só um homem livre cinza, numa sociedade cinza, num país cinza, com uma vida cinza, que se converterá em caligem quando você morrer. Essa é a sua realidade, e seja grato por ela! Pois pessoas que nascem douradas, como Umbrella, só retém de brilho para vê-lo se manchar com o sangue jorrante, uns com faces congeladas, outros, com lágrimas que não merecem mais um mundo tão pecaminoso.

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⏰ Última atualização: Oct 03 ⏰

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