Depois de muito andar, ouvíamos sons de gargalhadas de longe.
- Só pode ser o chapeleiro - disse a lebre
- E os outros convidados. - acrescentou o gato
Chegamos mais perto e de fato vimos eles bebendo chá e comendo guloseimas, tortas xadrez, biscoitos de duas cores e pedaços de uma espécie de "queijo" flutuante.
A mesa era de pedra, mas adornada com delicadas plantas, e as cadeiras me lembravam cogumelos de vários tamanhos e cores
- Com licença chapeleiro?
Ele nos olhou bruscamente, e com um salto, se levantou da cadeira em formato de cogumelo, e delicadamente, pousou no chão.
O chapeleiro usava uma roupa... Peculiar, um longo terno com remendos de vários tecidos, calças com poucos remendos nos joelhos e botas de cano alto. Ele era tão branco quanto uma folha, tinha cabelos ruivos cacheados espetados e usava um chapéu legítimos de couro com pena de alguns pássaros.
- Santo Deus! Pensei que vocês não viriam mais! Onde estavam? Tenho tantas perguntas.
- Sim, sei que tem chapeleiro, mas antes, devemos apresentar Anthony - falou a lebre - Anthony Kingsleigh!
A lebre me tirou das suas costas e me pôs em suas patas. O chapeleiro olhou cuidadosamente para mim, ele me pôs em suas mãos e me analisou.
- Kingsleigh - balbuceou ele - Anthony Kingsleigh... Filha de Alice Kingsleigh.
Olhei para sua expressão, continha um mix de sentimentos, ele queria rir e chorar ao mesmo tempo que queria falar.
- Está tudo bem? - falou a ratinha
Ele demorou a responder.
- Está sim! - falou como se nada tivesse acontecido de modo alegre - Vamos a festa!
E assim continuamos, o chapeleiro conduziu todos à mesa, movendo-se com a energia de alguém que parecia ter mil pensamentos simultâneos. Ele gesticulava alegremente enquanto pegava xícaras, pratos e chá, servindo a todos com um ar de anfitrião que parecia ter esperado aquela reunião por eras.
- Aqui, Anthony, tome um pouco desse chá! - Ele entregou-me uma xícara minúscula, que mal cabia na ponta dos meus dedos. A lebre e o gato riam enquanto me observavam tentando segurar a xícara.
- Bem, isso não parece muito justo, não é? - comentou a lebre de março, com seus olhos brilhando de diversão. - Talvez seja hora de mudar isso.
Antes que eu pudesse perguntar o que ele queria dizer, o chapeleiro tirou do bolso um relógio de bolso muito antigo, cujos ponteiros giravam descontroladamente. Ele o balançou na minha frente e, sem aviso, lançou-o para o alto. O relógio rodopiou e, ao cair no chão, uma nuvem de faíscas douradas tomou o ar ao nosso redor.
De repente, senti meu corpo formigar. A xícara que antes parecia enorme agora encolhia diante de mim, até que estivesse novamente no tamanho certo para minhas mãos. Eu havia voltado ao meu tamanho normal.
- Isso é muito melhor, não acha? - sorriu o chapeleiro, com os olhos dançando entre alegria e alívio. A mesa, agora vista da minha altura real, parecia ainda mais extravagante. As tortas e biscoitos de cores vibrantes pareciam mágicos, e o queijo flutuante pairava acima, como se desafiasse a gravidade por pura diversão.
Mal tive tempo de saborear a mudança quando o gato arqueou uma sobrancelha e se virou para a floresta.
- Parece que não estamos tão sozinhos quanto gostaríamos - murmurou ele.
De repente apareceram dois gêmeos idênticos, bem redondos, usavam roupas iguais, calça com suspensório preto com uma blusa amarela com branca listrada e um pequeno chapéu.
- Que susto Tweedles. - bradou a ratinha - Estão servidos?
- Sim, por favor! - falaram os dois ao mesmo tempo.
A festa até que estava agradável, nós riamos e conversávamos a beça mas eu ouvia outros passos vindo da floresta.
Nesse instante, um som seco e metálico ecoou entre as árvores. Passos pesados e coordenados vinham de todas as direções. A floresta ao nosso redor foi tomada por uma fila de soldados da Rainha de Copas, seus corpos de cartas brilhando sob a luz do sol. As expressões deles eram rígidas, mas seus olhos não escondiam a tensão.
- Ora, ora, quem temos aqui? - disse o capitão, com a voz fria e imponente. - O chapeleiro, a lebre, o gato, os tweedles... e um convidado inesperado.
- Convidado? - o chapeleiro esticou as mangas de seu terno de forma teatral, sem perder o tom alegre. - Anthony Kingsleigh não é um mero convidado. Ele é o herdeiro da aventura! Filha de Alice, a destemida!
Os soldados não se mostraram impressionados. Um deles ergueu a espada em direção ao chapeleiro.
- As ordens da rainha são claras. Todos para o castelo, agora! A Rainha de Copas exige uma audiência com a filha de Alice Kingsleigh.
Senti um calafrio correr pela espinha. A lebre, normalmente tão agitada, ficou imóvel, e o gato sumiu e reapareceu no galho de uma árvore próxima, observando tudo com olhos estreitos.
- Ah, não, não, não! - protestou o chapeleiro, sacudindo a cabeça vigorosamente. - Estamos no meio de uma festa do chá, soldados! Que indelicado interromper! Além disso, Anthony acabou de voltar ao seu tamanho original. Não seria justo!
O capitão que liderava o grupo deu um passo à frente, sua voz ainda mais ameaçadora.
- A rainha não gosta de esperar.
Os outros convidados trocaram olhares nervosos. A tensão no ar era palpável. E, por mais que eu quisesse escapar, algo em mim sabia que não havia outra opção além de encarar a rainha.
- A rainha ficará surpresa ao saber que um membro da sua corte está com a ralé - afirmou o capitão com a voz pesada olhando para a lebre
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Wonderland: a sucessão de Alice
ContoEm 1899, Anthony Kingsleigh é um garoto de 17 anos que ao mesmo tempo que luta pela sua vida, tem que lidar com seus frequentes transtornos de dupla personalidade. Um dia passeando pelo bosque do hospital, cai num buraco de coelho e se depara com Wo...