Capítulo 2: Despertar em Merina

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— Você... você tentou me matar...

Minhas palavras pairam no ar, enquanto a chuva continua a cair, encharcando a floresta ao nosso redor. O homem à minha frente, com olhos escuros e uma postura séria, franze o cenho ao ouvir minha acusação. Ele permanece em silêncio por um momento, como se estivesse tentando entender de onde vem minha lembrança.

— Eu... não me lembro de você — diz ele, sua voz carregada de honestidade, mas também de confusão.

Meu coração bate descompassado. Como ele pode não lembrar? O rosto dele está gravado na minha mente, o olhar frio que ele me lançou enquanto eu fugia para salvar minha vida. Mesmo agora, vendo-o aqui, parte de mim ainda sente o mesmo medo.

Dou um passo para trás, tentando processar a situação. Nicolae, esse é o nome que me vem à mente. Ele se move com cautela, não ameaçador, mas ainda assim, há algo nele que me coloca em alerta.

— Eu sou Nicolae — ele continua, como se tentasse preencher o vazio entre nós. — E sim, eu sei o que você é. Mas... não me lembro de ter te encontrado antes, muito menos de ter tentado te matar.

Minha mente gira com as possibilidades. Ele não está mentindo, pelo menos não parece. Algo no olhar dele, na maneira como sua testa se franze enquanto tenta se lembrar, sugere que talvez... ele realmente tenha esquecido.

— Isso foi há muito tempo... — começo a dizer, minha voz mais baixa agora. — No passado. Você estava diferente, controlado por algo. Mas eu lembro.

Nicolae fica em silêncio, seus olhos nunca deixando os meus. Ele não tenta me convencer de que estou errada, mas também não parece disposto a discutir sobre o passado. Ele não lembra, mas eu sim, e isso cria uma tensão que pesa entre nós.

— Seja lá o que tenha acontecido... — ele finalmente diz, — isso não importa agora. Se você está aqui, nesta condição... as coisas podem se complicar muito rápido.

Minhas mãos tremem, e a fome que eu estava tentando suprimir vem à tona de novo. Ele está certo. A fome é esmagadora, e está ficando cada vez mais difícil controlá-la. Mesmo assim, a ideia de confiar nele, alguém que já tentou me matar — seja por escolha própria ou não — me deixa hesitante.

— Eu não vim para lutar — Nicolae continua, como se pudesse sentir minha incerteza. — Você acabou de despertar. Sei que deve estar confusa, com fome... mas se perder o controle aqui, será perigoso.

Sinto minha respiração acelerar. Ele sabe exatamente o que estou sentindo. Não posso perder o controle, não aqui, não agora. Mas a fome... ela me corrói por dentro. Nicolae dá um passo à frente, mas seu movimento é lento, sem pressa, como se estivesse lidando com um animal selvagem prestes a atacar.

— Saia comigo — ele sugere, sua voz firme, mas não autoritária. — Você precisa se alimentar, e não podemos fazer isso aqui. Eu posso te ajudar... mas precisa confiar em mim.

Eu deveria confiar nele? Parte de mim quer afastá-lo, correr. Ele não lembra, mas a lembrança da sua tentativa de me matar está gravada em mim. Mesmo assim, a fome lateja em meu corpo, e o que ele diz faz sentido.

— Como posso confiar em você, Nicolae? — pergunto, minha voz saindo mais desesperada do que eu pretendia.

Ele suspira, seus olhos carregando um peso que eu não consigo decifrar completamente.

— Porque eu não vou deixar você se destruir aqui — ele responde, a sinceridade em sua voz. — Se o que você diz é verdade, e eu tentei te matar... então talvez eu deva isso a você.

Por um momento, fico parada, tentando processar suas palavras. Ele não se lembra, mas não nega o que fizemos no passado. Finalmente, decido arriscar. A fome já é insuportável, e não tenho outra opção.

— Tudo bem — murmuro, relutante. — Eu vou com você.

Nicolae assente, mas seu rosto permanece sério. Ele sabe o risco que ambos estamos correndo. Juntos, saímos da floresta, a chuva ainda caindo, mas agora com uma nova urgência. Enquanto caminhamos, ele avista o cervo que eu estava prestes a atacar. Com agilidade, ele o captura e o carrega nos ombros.

— Não é o melhor, mas servirá por enquanto — diz Nicolae, com um leve sorriso. Eu o sigo, incapaz de desviar o olhar do sangue que escorre da ferida do animal.

Beijo de VeludoOnde histórias criam vida. Descubra agora