Prólogo.

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"And I can talk to God and I can pray all day; But you can't heal something that you never raised [...]"
Zach Bryan

Alice estava prestes a completar seus tão sonhados quinze anos de idade e, como qualquer menina nesta fase, estava contando os dias para seu aniversário. Hoje em especial estava ainda mais ansiosa, pois terminava de acertar com seu avô os últimos detalhes da festa de debutante que seria oferecida em seu nome.

Os dois estavam na fazenda aonde seu avô passara a morar depois que se aposentou e se balançavam nas cadeiras de balanço da varanda. A casa era enorme e possuía um estilo rústico, tendo sua estrutura basicamente toda em madeira e materiais naturais. Todo o ambiente era perfumado com o cheiro da terra molhada pós-chuva de verão e o charuto de seu avô, que mesmo em idade avançada se recusava a deixar os velhos costumes.

— O papai ligou? — perguntou a mocinha, balançando-se na cadeira

— Ligou, Lili. — respondeu o senhor, seus olhos fixos no horizonte.

  — Ele perguntou por mim? — tornou a perguntar, estalando os dedos das mãos.

Ela tinha esse hábito desde que era pequena e seu pai costumava lhe dizer que era extremamente irritante, mas simplesmente não conseguia evitar.

  — Não, Lili — suspirou Cristóvão, finalmente olhando para a neta sentada ao seu lado. — Ele está ocupado e não vai poder vir no seu aniversário, boneca.

Ela sentiu seu coração afundar no peito. Não poderia sequer dizer que estava surpresa, pois já imaginava que algo assim aconteceria quando Ricardo, seu pai, anunciou que faria mais uma viagem de negócios com a data tão próxima de seu aniversário. Ainda assim, a tristeza tomou conta dela.

  — Eu queria que ele viesse... — disse, abaixando o rosto para esconder as lágrimas que começavam a se formar em seus olhos. — As vezes eu acho que ele nem gosta de mim, vovô

  — E como alguém poderia não gostar de você, minha bonequinha? — perguntou o avô, segurando nas mão da neta.

  — Não sei — disse, dando de ombros. — Eu devo ter feito algo de errado, às vezes se eu insistir um pouquinho e me esforçar mais ele vem. O que o senhor acha?

Cristóvão sabia que não havia nada que a menina pudesse fazer para concertar aquela situação. Infelizmente seu filho era daquela maneira e não existia nada no mundo que fosse capaz de o fazer agir de maneira diferente.

Estava cansado de brigar com o filho pelos mesmos motivos, por isso não se viu insistindo quando Ricardo o avisou que não estaria presente no aniversário da própria filha. Na verdade, achava até melhor que ele não viesse pois assim não estragaria um dia tão importante com suas opiniões desnecessárias sobre Alice.

Mas ainda assim, o matava por dentro ver sua bonequinha se culpando pela ausência do pai com os olhos cheios de lágrimas. Se ele pudesse, traria Ricardo até Campo Grande puxado pela orelha.

  — Vou te contar uma história — disse, se levantando e a chamando com a mão.

Alice o obedeceu de prontidão e os dois caminharam juntos pelo gramado. Ela permaneceu caladinha, os olhos fixos no chão conforme eles paravam em frente ao cercado. Se apoiando na madeira, Cristóvão deu início à história que marcaria a vida dela para sempre:

  — Alguns anos atrás eu fui convidado por um grande amigo para um leilão de garanhões reprodutores no exterior. Ao chegar lá, me deparei com centenas de animais impressionantes. Mas, o que mais me chamou a atenção foi um cavalo quarto de milha que era considerado simples para a maioria dos compradores. Os outros sequer olhavam para ele, mas eu sabia que ele tinha potencial. Sabe como eu tive tanta certeza disso?

  — Não, vovô

  — Porque eu estava disposto à olhar para ele. No fim do leilão, acabei o comprando por um preço muito abaixo do que os outros animais que foram leiloados no mesmo dia. Meus amigos me disseram que eu estava jogando dinheiro fora, mas eu sabia que não. Está vendo aquele baio correndo ali? — Cristóvão apontou para um garanhão que corria no pasto não muito distante dali. Sua crina voava ao vento e sua pelagem brilhava sob a luz dourada do pôr do sol; ele parecia uma miragem vista dali.

Ela assentiu com a cabeça, ainda muito chateada para falar.

  — Ele se chama Smokey and the Bandit. É um nome longo, mas aquele cavalo já me rendeu alguns milhões com os seus potros campeões. Ele é um dos garanhões nacionais que mais produziu potros campeões de três tambores.

  — E o que tudo isso significa, vovô? — perguntou Alice, os olhinhos molhados fixos no cavalo que relinchava ali por perto.

Seu avô a observou por alguns segundos, finalmente percebendo o quanto a menina havia crescido nos últimos anos. Ela já não se parecia mais com a menininha que andava para todo lado usando um tutu de bailarina. Na verdade, já estava uma moça.

  — Isso significa que nós não somos culpados pelo que as pessoas enxergam em nós, Lili. O Smokey sempre foi um bom cavalo e ele não precisou mudar ou se esforçar mais para que eu percebesse isso; eu percebi porque estava disposto — ele deu uma pequena pausa, tossindo fortemente antes de continuar: — Você é perfeita do jeitinho que é e se seu pai não está disposto a enxergar isso, eu estou. E eu tenho certeza que, no futuro, várias outras pessoas também estarão. Sempre fomos nós dois contra o mundo e, se ele não quer participar da sua valsa, eu danço duas vezes.

Foi naquele momento que a jovem Alice percebeu que seu avô era a única pessoa que se importava com ela no mundo inteiro.

Tradução da música Bass Boat, Zach Bryan: "E eu posso falar com Deus e posso orar o dia todo; Mas você não pode curar algo que você nunca criou [...]"

Coração SertanejoOnde histórias criam vida. Descubra agora