31. Atlas

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São três horas de carro até lá. Josh não disse muita coisa. Ficou lendo, mas, se estiver tão nervoso quanto eu a respeito disso, não sei se está realmente absorvendo a leitura. Já faz cinco minutos que está na mesma página. É um desenho do que parece uma cena de batalha, mas o que mais vejo são decotes.

- Esse mangá é apropriado para um menino de doze anos? pergunto.

Ele se vira um tantinho de nada, de modo que só consigo ver a capa do livro.

- É.

A voz dele baixou uma oitava inteira nessa mentira. Pelo menos ele é um péssimo mentiroso. Se decidir ficar comigo, acho que vai ser fácil detectar quando ele está ou não está dizendo a verdade.

Se decidir ficar comigo, talvez eu devesse comprar para ele alguns livros de autoajuda para equilibrar. Vou encher suas prateleiras com os quadrinhos que ele quiser, e ainda vou secretamente acrescentar alguns livros meus para suplementar minhas poucas habilidades como tutor. Indomável, Man Enough, A sutil arte de ligar o fda-se. Cacete, de repente até algum texto sagrado de todas as principais religiões do mundo. Estou aceitando qualquer ajuda.

Especialmente depois de hoje. Por mais que Josh ache que essa é uma viagem só de ida, por dentro eu sei que ele vai voltar direto para Boston comigo. Só espero que ele não volte aos gritos e berros.

Quando o GPS diz que estamos virando na rua de Tim, a mão de Josh aperta com mais força o mangá. Porém, ele não desvia os olhos, mesmo que ainda não tenha virado a página. Quando vejo o endereço no meio-fio em frente a uma casa em péssimo estado, paro o carro. A casa está do outro lado da rua, do lado do motorista, mas Josh finge estar absorto na história.

- Chegamos.

Ele larga o mangá e finalmente ergue os olhos. Aponto para a casa, e Josh a observa por uns bons dez segundos. Em seguida, põe o mangá na mochila.

Josh trouxe a maior parte de suas coisas. As roupas que comprei, alguns dos mangás. Está tudo apertado numa mochila que mal fecha, e ele a segura no colo na esperança de que ao menos um de seus pais queira ficar com ele.

- A gente pode esperar um pouco? - pergunta. Claro.

Enquanto espera, ele mexe em tudo. A saída de ar, o cinto de segurança, a música no bluetooth. Dez minutos se passam enquanto eu pacientemente lhe dou o tempo de reunir toda a coragem de que precisa para ajudá-lo a abrir a porta.

Olho a casa, desviando a atenção de Josh por um tempinho. Há uma velha picape Ford branca na entrada, e deve ser por isso que Josh ainda não teve coragem de atravessar a rua e bater à porta. É um sinal de que alguém provavelmente está em casa.

Não tentei convencê-lo a não fazer isso porque sei como é querer conhecer o próprio pai. Ele vai viver essa fantasia até conseguir enfrentar a realidade. Quando criança, eu também tinha as maiores expectativas em relação à minha família, mas, depois de anos de decepções, percebi que só porque você nasceu em um grupo de pessoas isso não quer dizer que elas sejam sua família.

- Será que simplesmente bato lá? pergunta Josh finalmente.

Ele está com medo, e, francamente, também não estou me sentindo lá muito corajoso agora. Passei por muita coisa com Tim. Não tenho vontade de revê-lo, e estou de verdade com medo do possível resultado deste encontro.

Não acho que este seja o melhor lugar para Josh, e não estou em posição de lhe dizer que ele não pode se reconectar com o pai. Porém, meu maior medo é que ele escolha ficar aqui. Que Tim faça como minha mãe e receba Josh de braços abertos só por saber que essa é a única coisa que não quero que aconteça.

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