Oi, meu nome é otário.
Não se engane, não sou apenas um tolo qualquer; arrisco dizer que sou o grandioso otário supremo, talvez o rei dos mais extraordinários tol-
Alguma coisa de extrema ocupação de espaço — quase se fundindo ao meu ombro num esbarrão repentino — interrompe minha dose diária de autodepreciação ao compartilhar parte da umidade do tecido grosseiro e ensopado de sua jaqueta com meu blazer igualmente encharcado. Sem um mínimo vestígio de um "sinto muito", o sino sobre a porta envidraçada soa alto, anunciando sua entrada sob um tilintar irritante.
E sim, é claro que o mundo está desabando em água.
É o que sempre acontece nos filmes quando o protagonista está vivendo um tremendo dia de merda, e sou a prova viva de que um roteiro épico de fracassos também pode se desenrolar fora das telas: um terno tão gotejante quanto o telhado inclinado que banha meus mocassins; um tomate esmagado onde normalmente fica meu nariz, só que menos inchado e mais desbotado. O toque final são meus ombros pesados, vergados pela revelação recente de todos os detalhes da reviravolta da minha vida.
E que vida.
Não faço ideia de quanto tempo se passou desde que parei aqui, no ponto de indecisão entre continuar sob a pancada d'água perfurante ou ceder ao chamado hipnótico do bule de porcelana adornado do outro lado da porta. Seu vapor serpenteia por um balcão envernizado que ainda preserva o charme nostálgico das décadas retrô, no único lugar aberto às... Também não sei que horas são, mas faz algum tempo desde que as nuvens se tingiram de um cinza muito escuro. Então sei que é tarde. Talvez tarde demais.
Mas... será café? O fio âmbar que marcou a lateral me diz que sim, e um dos fortes. Será que usam especiarias para dar ao sabor um remate original? Serão fãs da mistura de cardamomo e cafeína, como meu pai, ou daquela pitada de anis-estrelado, como eu?
Guiada por uma súbita vontade de saber qual cheiro tem o vapor ondulante, minha mão busca a alça de metal polido, um icebergue ao toque dos meus dedos enrugados, e empurra a porta para o lado de dentro. Ouço o sino ressoar por cima da minha cabeça, lá no fundo, pois o som desagradável que estilhaça em meus ouvidos é outro: a explosão de um tubo de serpentinas coloridas. Sim, confetis, vindos de quem sabe onde ou o porquê.
Elas caem por todos os lados; a maior parte fica grudada pelo meu corpo, roupas e cabelos — mais aderentes que chiclete após o banho de chuva. Que beleza.
— Boas-vindas ao nosso centésimo cliente!
Em meio ao alvoroço que se inicia, uma voz feminina, sólida e experiente, anuncia saudações em minha direção, enquanto cogito deslizar numa meia volta de fuga, de volta para o aguaceiro, e fingir que todo o estardalhaço nunca teve nada a ver comigo.
Alguns pares de olhos felizes — ou apenas fiéis às normas de simpatia — colam em mim feito as fitas, as mãos em aplausos incessantes, parecendo que ensaiaram essa estratégia coerciva para não deixar, em hipótese alguma, o cliente sortudo fugir. E que sorte a deles: foi um plano perfeito.
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Que Venham As Bananas Flambadas
Short StoryEu queria um café quentinho, e o bule me prometeu um dos bons. No meio de uma tempestade, então? Por favor, tragam-me uma xícara cheia. No entanto, o que me servem é um sorvete. Com temporal, serpentinas e tudo. Sim, o gelo de um sorvete. E de creme...