Capítulo 03

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O som irritante do despertador ecoa pelo quarto. Droga. Hora de ir à faculdade. Estendo a mão, meio perdida, e desligo o barulho com um tapa. Fico deitada por mais alguns segundos, encarando o teto. Queria ter dormido mais, mas isso não vai acontecer hoje. Respiro fundo, jogo as cobertas para o lado e me levanto, ainda meio zonza de sono.

Vou direto para o banheiro, sem pensar muito. A rotina é sempre a mesma: lavar o rosto, escovar os dentes, e tentar parecer minimamente humana antes de sair de casa. Faculdade me espera, mas a mente já está em outro lugar.

Saio do banheiro e começo a procurar alguma roupa que me faça parecer que eu me importo, mesmo que seja só um pouco. Pego a primeira calça jeans que vejo e uma camiseta preta simples. Hoje não é dia de fazer esforço para parecer algo além do básico. Enquanto me visto, dou uma olhada rápida no celular. Nada importante. Como sempre, o mundo continua girando, mas a parte dele que realmente me interessa está longe de ser os estudos.

Passo pela cozinha, dou um bom dia para meus pais e pego uma maçã da fruteira. Saio pela porta sem olhar para trás. O dia está normal, céu meio nublado, o que até ajuda no meu humor matinal, que já não é dos melhores. Ponho os fones de ouvido e deixo a música me levar enquanto caminho até a universidade.

Ando sem pressa, saboreando a maça aos poucos. Avisto Ava encostada em uma árvore. Ela está lá, com os braços cruzados e aquele jeito impaciente de quem odeia esperar, mas sabe que vai ter que fazer isso todos os dias. Dou um aceno rápido e ela levanta a sobrancelha, meio irônica, como se quisesse dizer "até que enfim".

— Demorou hoje, hein? — ela comenta, se juntando a mim no caminho.

— Culpa do sono. Não queria sair da cama — respondo, dando de ombros.

— Quem quer? — ela ri, ajeitando a mochila no ombro. — Mas vamos logo, senão a gente perde a primeira aula.

Continuamos andando até chegarmos. Logo, vejo o motorista particular de Zyran abrindo sua porta. Ele sai e se junta com seus amigos.

Ele frequenta sua vida mais do que imagina. Já está bem perto de você.

Balanço a cabeça afastando meus pensamentos. Caminho mais um pouco e paro por um segundo na porta, respiro fundo e me preparo. Aula. De novo.

Com uma última mordida na maçã, empurro a porta e entro.

Os corredores estão enchidos de pessoas. O barulho está alto. Passo por todos até chegar em meu armário, guardo minhas coisas e sigo Ava até o pátio.

Quando o sinal toca, o corredor vira uma confusão. Todo mundo começa a entrar na sala com pressa, conversando e rindo. A primeira aula do dia é educação física, o que deixa a maioria das pessoas empolgada, mas não eu. Enquanto o resto da turma parece animado com a ideia de correr e suar, eu preferiria estar em qualquer outro lugar — de preferência, matando alguém.

Arrasto-me para dentro da sala, pegando um lugar no fundo, onde posso ficar o mais invisível possível. Os outros jogam as mochilas nos cantos, rindo alto e se aquecendo, como se estivessem se preparando para uma grande competição. Eu apenas observo, sem a menor vontade de participar daquele entusiasmo exagerado.

O professor entra logo depois, carregando uma prancheta de avaliação e vestindo o uniforme esportivo de sempre. Ele tem aquele olhar típico de quem adora ver todo mundo em movimento, suor, força de vontade e esforço físico. Não compartilho do mesmo sentimento. Ele cumprimenta a turma com um sorriso largo e enérgico, que só parece aumentar o frenesi ao meu redor. Quero sumir daqui.

Eu me recosto na cadeira, tentando me preparar mentalmente para suportar os próximos minutos. Não que eu odeie exercício, mas toda essa euforia de "time unido" não faz meu estilo. Enquanto o professor começa a falar sobre as atividades do dia, a turma já se mexe nas cadeiras, pronta para correr para a quadra. Olho para o relógio, contando os minutos para isso acabar.

Levantamos da cadeira e formamos uma fila. A turma anda de forma rápida e empolgada.

Chegamos à quadra, e o professor pega colchões para a aula de ginástica. Enquanto o resto da turma está rindo e fazendo piadas, eu mantenho o foco. A maioria deles acha que isso é apenas uma aula de educação física qualquer, mas para mim é mais do que isso. Cada movimento, cada alongamento, é uma oportunidade para testar minha flexibilidade, algo que já faz parte da minha rotina como assassina.

O professor começa a escolher pessoas para disputar a aula. A primeira é Ava contra Jacky. Ela é meio dura para ginástica, todas as aulas ela costuma perder, então esta não será diferente.

O primeiro movimento é um salto simples e fácil, porém, exige concentração. Qualquer erro aqui e seu adversário ganha ponto.

Ava torce o tornozelo no pulo e Jacky ganha ponto. Que patético.

O professor começa a anunciar os próximos dois alunos.

—Eu quero agora a aluna...—ele para e olha para mim— Jenna!!por gentileza venha até aqui.

Droga, justo eu.

Ele começa a olhar para a turma novamente e aponta para Zyran. Pelo amor de deus, não!!

—Zyran, eu quero você para disputar com Jenna!!

Se já estava ruim antes, agora está pior. Claro que seria ele. Sempre acaba sendo ele. Ele sorri de canto, aquele sorriso provocador que me irrita mais do que qualquer outra coisa. Sem dizer uma palavra, caminhamos um em direção ao outro, já sabendo que essa aula de ginástica está prestes a se transformar em outra batalha silenciosa entre nós. Ele para na minha frente, forçando-me a encarar aqueles olhos escuros. Aqueles olhos que parece que vão sugar todo o resquício de alma existente em você. Aqueles olhos, que mesmo tão distante, ainda assim fica grudado em sua mente.

O professor dá as instruções, mas nem presto atenção. Meu foco está totalmente nele, e sei que o dele está em mim. Essa rivalidade não começou hoje, nem vai acabar tão cedo.

Não falhe, Jenna. Não falhe.

— Que vença o melhor, no caso, eu— diz ele, se alongando.

O professor apita e começamos a disputar. Ele é bom, é rápido, mas não pode ganhar de mim. Não estou aqui para impressionar ninguém, mas também não me escondo.

Ele começa executando os movimentos com precisão, mas não posso deixar de notar o olhar que me lança. Um desafio. Como se estivesse dizendo, "Vamos ver se você consegue fazer melhor." Me mantenho impassível, sem dar a ele a satisfação de uma resposta.

Quando chega a minha vez, faço os movimentos sem hesitar, mas minha mente está longe da ginástica. O que realmente me consome é a necessidade de superá-lo, de deixá-lo em seu lugar. Ele sempre tenta se colocar como superior, mas eu sei que isso é apenas uma fachada. Por trás daquele sorriso arrogante, ele também sabe do que sou capaz. Talvez até tema um pouco, mas nunca deixaria transparecer. Eu, por outro lado, não mostro nada além de controle. Não preciso jogar seu jogo.

Zyran não gosta de perder, e isso fica evidente no brilho nos olhos dele, aquele que surge sempre que percebe que não conseguiu me abalar. Ele intensifica os movimentos, buscando qualquer vantagem, mas não é sobre a ginástica. Nunca é. Isso é sobre poder, controle e a luta constante entre nós. Cada movimento é só mais uma jogada nessa rivalidade que se arrasta há tempo demais.

Eu poderia dizer algo, uma provocação, mas decido permanecer em silêncio. O silêncio é mais poderoso. Ele quer uma reação minha, mas não vai ter. No final, essa disputa entre nós não é sobre quem se sai melhor na aula. É sobre quem sai por cima no jogo maior — e nesse eu nunca deixo de vencer.

Nossos movimentos ficam cada vez mais rápidos e intensos, sem mais pausas ou esperas. Agora, nos movemos ao mesmo tempo, uma sequência de ações sincronizadas, como se estivéssemos em um duelo silencioso, cada um tentando dominar o outro.

Sem quebrarmos o olhar, percebo que já estamos passando dos limites restritos de espirito esportivo. Porém, é tarde demais para parar. O professor acaba interferindo quando percebe um clima de rivalidade um pouco avançado.

Ofegantes, paramos frente a frente, o ar carregado de tensão. Zyran se aproxima lentamente, até parar ao meu lado. Ele se inclina, seu rosto perto do meu, e sussurra em meu ouvido, com a voz baixa e provocadora:

— Cuidado com o destino, Jenna Winter. Ele gosta de brincar com as pessoas.

Sem esperar resposta, ele se afasta, deixando-me ali, imóvel, com suas palavras ressoando no silêncio enquanto desaparece pelo corredor.

Entre Lâminas e BeijosOnde histórias criam vida. Descubra agora