Capítulo 10: A Chamada

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Rafael chegava novamente à fábrica abandonada, ainda envolto pela escuridão da madrugada. O relógio marcava 5 da manhã, e o sol ainda estava escondido no horizonte, aguardando seu momento para surgir. O ambiente ao redor era desolador, um cenário sujo e decadente que ele já conhecia bem. Tudo o que ele queria naquele instante era se livrar da imundice que carregava consigo. O peso do sangue seco e da poeira acumulada em suas roupas maltrapilhas o deixava desconfortável, como se cada parte de si estivesse marcada por uma sujeira que ele precisava lavar não apenas do corpo, mas também da alma.

Sem hesitar, Rafael começou a tirar as roupas, jogando cada peça suja ao chão com desdém. As marcas da batalha da noite anterior eram visíveis: o tecido rasgado, as manchas escuras de sangue. Aquelas eram evidências de uma vida violenta, de uma existência marcada pelo caos. Ele seguiu nu até os banheiros da antiga fábrica, um espaço igualmente empoeirado, mas não tão decadente, com uma funcionalidade que ele ainda conseguia aproveitar. Ao alcançar um dos chuveiros, ele o ligou, ouvindo o som reconfortante da água caindo com força. A água atingiu sua cabeça, lavando as marcas da noite que passou, enquanto ele se deixava envolver pela sensação de limpeza.

À medida que a água escorria pelo seu corpo, Rafael sentiu o sangue começar a se misturar ao líquido, formando uma correnteza de água vermelha que descia pelos seus pés e sumia pelo ralo. Era como se a sujeira e as cicatrizes recentes estivessem sendo levadas embora, mas a sensação de culpa e os pensamentos perturbadores continuavam a pesar sobre sua mente. Ele pegou o sabonete e começou a ensaboar-se com vigor, esfregando a pele como se quisesse arrancar mais do que apenas a sujeira superficial. Os movimentos eram rápidos, quase agressivos, como se o ato de se limpar fosse também uma tentativa de purificação mental. Rafael desejava, mesmo que por um instante, livrar-se dos pensamentos sombrios que o perseguiam. Ele esfregava e esfregava, como se a intensidade física pudesse silenciar seus demônios interiores.

Depois de alguns minutos sob o chuveiro, sentindo a água lavar seu corpo e aliviar temporariamente o peso de sua mente, ele desligou a torneira. O silêncio que seguiu parecia mais pesado do que antes, mas ele não podia se deter muito naquilo. Caminhou de volta para o espaço que chamava de "quarto" dentro da fábrica, um lugar improvisado que mal oferecia conforto, mas que para ele era suficiente. O colchão velho jogado no chão era o único luxo que possuía, além de um pequeno armário enferrujado, onde guardava algumas roupas. Abrindo a porta do armário, Rafael escolheu uma workshirt turquesa e uma calça preta tradicional. Como vampiro, ele não precisava se preocupar com o conforto das vestimentas enquanto dormia. Diferente dos humanos, seu corpo não transpirava, nem era afetado pelo calor ou frio. Ele podia, portanto, dormir vestido sem qualquer desconforto, sempre pronto para qualquer eventualidade.

Rafael vestiu-se rapidamente e deitou-se sobre o colchão. O ambiente ao redor ainda era sombrio, mas ele já podia sentir o primeiro sinal do amanhecer. Apesar de estar dentro da fábrica, isolado da luz solar direta, ele sempre sabia quando o sol estava prestes a nascer. Era como uma percepção instintiva, uma parte de sua natureza vampírica que o alertava para o perigo iminente. Com o sol chegando, era o momento certo para descansar. Ele fechou os olhos, deixando-se cair no sono profundo que o acompanhava durante o dia. E, assim, ele adormeceu, o mundo ao seu redor tornando-se insignificante, sua mente silenciando por completo. Mas o descanso durou apenas até o alarme disparar. O som alto e irritante ecoou pelo espaço vazio, trazendo-o de volta à consciência. O relógio mostrava 19:30, o horário perfeito para ele retomar suas atividades.

Rafael abriu os olhos e, por um momento, permaneceu deitado, encarando o teto sujo da fábrica. O alarme ainda ressoava em seus ouvidos, mas ele não se apressou em desligá-lo. O vampiro sabia que sua rotina noturna o esperava, mas havia algo na quietude daquele instante que o prendia ali, na cama, por alguns minutos a mais. Ele deixou o barulho do alarme preencher o espaço, ecoando pelas paredes de concreto, enquanto sua mente vagava por pensamentos que ele tentava evitar. Era sempre assim ao acordar: um momento de calma antes de enfrentar a noite, antes de retornar ao ciclo de violência e sobrevivência que era sua vida.

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