Duque era um gato que conhecia bem os limites de seu mundo. Em sua casa, cada canto guardava memórias, mas a vida parecia se resumir ao suave deslizar de seus pés sobre o chão polido e ao calor do sol que aquecia seu corpo. As noites, no entanto, traziam uma inquietude profunda, despertando um desejo insaciável de conhecimento.
Duque nunca soube o que existia além das portas e janelas daquela casa. Sempre se perguntava o que poderia encontrar nas mínimas luzes que via enquanto encarava a janela à sua frente. Para ele, essas luzes representavam sonhos não vividos, jogados nos céus por pessoas que desejavam e não conseguiam realizar. Eram como uma vida que corria sob suas patas, além daquelas janelas. Duque se perguntava: o que há além das paredes que me aprisionam? O que seria vivenciar as mínimas coisas lá fora? O que seria viver?
Numa noite em que a lua iluminava o céu com uma intensidade quase mágica, Duque decidiu arriscar. O som do riso humano e a música distante o chamavam como um canto hipnótico. Com um impulso de determinação, ele empurrou a tela da janela e se lançou na escuridão.
A liberdade era viciante, intoxicante. Duque corria pelos jardins, com a lua sendo sua cúmplice e as estrelas brilhantes refletindo suas esperanças. Mas, quanto mais explorava aquele local, mais sua euforia se esvaía, transformando-se em um vazio incessante e crescente. As luzes que antes brilhavam com tanta intensidade agora pareciam apenas bolas opacas no céu, deixando-o ainda mais confuso sobre o que queria e sentia. Era como se cada aventura se transformasse em sombra, mergulhando-o em uma solidão pura e extasiante.
Andando por aquelas ruas movimentadas, Duque percebia o quanto cada canto daquele lugar era instigante e magnífico. Assim que virou em uma rua estreita iluminada por pequenos postes, notou os grupos de pessoas ao seu redor. Com seus olhos felinos vidrados, observou como riam e dançavam, compartilhando histórias. Seu pequeno coração palpitaria animado; pensou, então, em se aproximar, em ver de perto o quanto aquele sentimento indescritível poderia crescer.
Mas ao se aproximar, percebeu que não fazia parte daquilo, daquele momento. Era apenas um mero espectador em meio a uma peça da qual não pertencia. Acima de tudo, aquela conexão que buscava permaneceria fora de seu alcance, assim como as estrelas que tanto almejava.
Conforme a noite avançava, Duque sentia o peso da solidão assomar-lhe o coração. Lembrou-se, então, do conforto de sua casa, dos carinhos e momentos que dividia com sua amada companheira e dona, do cheiro das comidas que ela preparava para ele. Recordou cada nuance de seu lar, que antes chamava de prisão. Nesse momento de clareza, compreendeu que uma liberdade sem propósito era uma prisão ainda mais dolorosa.
Refazendo seu caminho para casa, desolado, Duque passou a pensar em sua breve jornada e em como o significado das luzes brilhantes no céu havia mudado para ele. Agora, não as via mais como sonhos distantes de outras pessoas, mas sim como símbolos de tudo que ele mesmo desejava e temia. Ao chegar à sua janela tão conhecida, hesitou por um instante, entendendo que aquela breve aventura o havia levado ao lugar certo, afinal.
Helen o aguardava com seus olhos cheios de amor e compreensão, sentada em uma de suas poltronas, ao lado da janela, onde Duque costumava passar o tempo apreciando as estrelas junto a ela. Ao se aninhar em seu colo, percebeu que sua verdadeira liberdade não estava lá fora, que nunca esteve. Ele entendeu que sua liberdade consistia em encontrar significado para si mesmo; compreendeu que aquele não era uma prisão, mas sim um lar, um espaço onde o amor e a segurança permitiam que ele fosse quem realmente era.
Naquela noite, enquanto as luzes da cidade continuavam a brilhar, Duque fechou os olhos e sonhou não com a liberdade, mas com a possibilidade de viver plenamente, sabendo que, para cada luz do mundo lá fora, existia um reflexo de amor em seu coração.
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A liberdade previamente dolorosa
ContoDuque amava as estrelas e sempre quis conhecê-las, mas Duque era um gato.