Um amor

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Clara sempre foi uma jovem sensível, com a alma de artista. Seus dias eram passados entre tintas, pincéis e telas que refletiam suas emoções mais profundas. Porém, sua vida começou a mudar quando, certa noite, ela sonhou com um rapaz. Ele tinha olhos tão intensos que pareciam mergulhar em sua alma, e um sorriso que aquecia seu coração. No sonho, ele não disse uma palavra, mas a forma como a olhava, com uma profundidade que ela jamais experimentara antes, fez Clara sentir algo que nunca havia sentido: uma conexão inexplicável.

Na manhã seguinte, Clara acordou com o coração batendo forte, a sensação do sonho ainda muito viva. Durante o dia, ela tentou se concentrar na vida comum – escola, amigos, família – mas a imagem daquele rapaz continuava rondando sua mente. E então, naquela noite, ele voltou.

A cada noite, Clara sonhava com ele. Nos sonhos, eles passeavam juntos em lugares irreais, entre jardins cobertos de flores de cerejeira e lagos com águas cristalinas. Eles riam juntos, e seus corações pareciam se entrelaçar de uma forma que transcendia a realidade. Mas havia algo estranho: ela nunca conseguia lembrar-se do rosto dele com clareza ao acordar.

Com o tempo, esses sonhos se tornaram mais frequentes. Clara começou a esperar pela noite com uma ansiedade que a desconectava da vida diurna. Durante o dia, ela se pegava distraída, olhando para o nada, tentando trazer à tona as feições do rapaz. Porém, toda vez que ela pegava um pincel para tentar desenhá-lo, algo a impedia. Era como se existisse uma barreira invisível entre sua mente e suas mãos. Ela sabia que o conhecia intimamente, mas, quando tentava reproduzir seu rosto, tudo se desfazia, como uma névoa que ela não conseguia agarrar.

Clara começou a adoecer. Seu corpo ficava cada vez mais fraco, e sua mente estava constantemente mergulhada na melancolia. Ela já não via mais sentido em suas atividades diárias. O mundo ao redor parecia perder a cor, enquanto o único lugar onde encontrava felicidade era nos sonhos com aquele rapaz. Sentia como se estivesse ligada a ele de uma maneira que não podia explicar, como se sua existência dependesse daquela conexão onírica.

Até que, numa noite, o sonho foi diferente.

Ela o encontrou sentado à beira de um lago, o rosto escondido entre as mãos. Ao se aproximar, Clara percebeu que ele chorava silenciosamente. Seu coração apertou, pois nunca o havia visto assim. Sentou-se ao lado dele e, gentilmente, tocou seu ombro.

“Por que você está chorando?”, perguntou ela, a voz trêmula.

Ele levantou o rosto, e os olhos cheios de tristeza a perfuraram como mil facas.

“Eu sou a causa de seu sofrimento”, ele disse com a voz embargada. “Eu não queria que fosse assim, mas você está ficando presa a mim, e eu... eu não sou real.”

Clara sentiu uma onda de desespero subir por seu peito. Ela negou com a cabeça, agarrando-se à manga da camisa dele. “Não! Você é real para mim. Não me deixe!”

Mas ele apenas sorriu tristemente. “Eu preciso partir. Não posso continuar sendo o motivo da sua dor. Você precisa viver. Precisa encontrar a verdadeira felicidade.”

Ele se inclinou para ela e, antes que Clara pudesse protestar novamente, ele a beijou. Foi um beijo cheio de amor, como se todas as emoções que eles compartilharam estivessem condensadas naquele momento. Clara sentiu uma paz profunda, mas, ao mesmo tempo, uma tristeza que a consumia. Suas pálpebras começaram a pesar, e seus olhos se fecharam suavemente enquanto o beijo continuava. Quando acordou, uma lágrima deslizava por seu rosto.

Porém, naquela manhã, algo estava diferente. O sonho que tantas vezes havia trazido emoções tão vívidas desaparecera. Clara não conseguia mais lembrar do rapaz, nem do porquê das lágrimas que encontrou em seu rosto. Era como se uma parte de sua memória tivesse sido apagada.

Aos poucos, a vida voltou ao normal. Clara redescobriu o prazer nas pequenas coisas, retomou suas pinturas, encontrou alegria nas cores e formas novamente. E então, um dia, enquanto caminhava distraída pela cidade, esbarrou em um rapaz.

“Desculpa!”, ele disse, com um sorriso caloroso que lhe parecia familiar. Clara o reconheceu de imediato: era Lucas, seu amigo de infância, alguém que ela não via há muitos anos. Eles começaram a conversar e, para sua surpresa, a conversa fluiu de forma natural, como se nunca tivessem perdido o contato. Com o tempo, a amizade se transformou em algo mais, e logo estavam vivendo um amor verdadeiro, cheio de momentos simples e felizes.

Meses depois, Clara e Lucas estavam planejando o casamento. Ela se sentia radiante, como se, finalmente, estivesse vivendo a vida que sempre desejou. Uma tarde, pouco antes do pôr do sol, ela foi até a varanda de sua casa, olhando para o quintal e pensando no futuro. Seu coração estava cheio de paz. Mas então, um vento frio atravessou o ar, fazendo os cabelos de Clara dançarem.

De repente, seus olhos se fixaram em uma figura debaixo da árvore no jardim. Havia um rapaz ali, desconhecido para sua mente consciente, mas algo dentro de Clara soube, naquele instante, que ele significava algo. Ele estava parado, com lágrimas nos olhos, mas sorrindo para ela. Um sorriso cheio de tristeza e carinho.

Ela não o reconheceu, mas, inexplicavelmente, uma tristeza profunda tomou conta dela. Sem entender o porquê, lágrimas começaram a escorrer por seu rosto. Ela tentou segurar o choro, mas não conseguiu. No exato momento em que uma flor de cerejeira caiu delicadamente em sua mão, o vento frio soprou de novo, e quando Clara olhou de volta para a árvore, o rapaz já não estava mais lá.

Ela ficou ali, parada, com a flor nas mãos, sentindo o peso de uma lembrança perdida, uma memória que estava além de sua compreensão. E então, depois de um longo suspiro, ela sorriu tristemente, sem saber exatamente o motivo de suas lágrimas.

Mas, naquele momento, Clara soube, de alguma forma, que ela estava livre. O vento havia levado consigo um amor que nunca poderia ter sido, e, em seu lugar, trouxe uma nova chance de felicidade.

Um sonho de um amor perdidoOnde histórias criam vida. Descubra agora