Decorrer das Experiências

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Um momento inesquecível

Parece que falar de mim está virando rotina, acontece é que não consigo fugir de mim, por mais que eu fale de alguém que estudei, não posso fugir do meu próprio ponto de vista, por tanto realmente preciso falar daquilo que entendo. Não acredito que precisamos de alimentar exageradamente para sermos felizes, assimile apenas o necessário para o seu organismo. Coloque-se no meu lugar para entender o que é ficar em silêncio por algum tempo e perceba a mudança complexa que sua vida terá diante da sociedade. Espero que algo de bom possa ser refletido pelo leitor, basta se alimentar daquilo que for mais atraente, e descarte para a sua vida os meus exemplos de indecisões fúteis. A praça da Liberdade tem sido o meu primeiro ponto mais visitado durante este processo de silêncio e com certeza tenho encontrado dificuldades de ficar calado. Cheguei a conversar com algumas pessoas e quero destacar estas ocasiões especiais onde conversei. Ao chegar no coreto com o papel impresso guardado no bolso, onde davam alguns resumos de explicações dos motivos do meu silêncio, levei meu violão e assentei no chão para tocar algumas músicas como gosto de fazer sozinho. Normalmente aparecem algumas pessoas e ficam escutando. Elas assentam próximo e depois começam a conversar. Principalmente se estiverem bebendo. Bêbados falam muito e quase sempre pedem para tocar Zé Ramalho. Bêbadas costumam ficar eufóricas e/ou histéricas. Desta vez, um rapaz pediu o violão, mas achei ele meio suspeito de querer roubá-lo, só que mais tarde vi que meu receio era patético. Estávamos na escada e então fiz um sinal com as mãos para assentarmos juntos mais no fundo do coreto. Ele entendeu e assentou-se comigo. Depois de tocar a primeira música ele demonstrou um olhar satisfeito, como de gratidão, mas disse poucas palavras das quais nem lembro. Sei que estava satisfeito apesar da música triste que toquei. Pediu outra música e então toquei, após terminar fiquei um pouco em silêncio. Ele percebeu que a segunda música que toquei era cristã e me disse que também conhecia muitas músicas cristãs. Disse que era católico e eu respondi com um sorriso e um balançar de cabeça positivamente. Se interessou em me perguntar algo para que eu falasse e eu não respondi, com isto, senti necessidade em tirar o papel do bolso e assim mostrei para ele. Ele compreendeu o silêncio, mas achou curioso por estar cantando, então virei o papel e atrás estava dizendo que me expresso através de músicas ou de casos muitíssimos importantes. A praça estava relativamente cheia, mas o coreto estava vazio. Ao meu lado esquerdo, de pé, estavam dois rapazes que me escutavam e às vezes me olhavam enquanto conversavam. Ao lado direito um casal assentado tomando vinho. Quando voltei a tocar mais algumas músicas, reparei que um dos rapazes de pé estava cantando junto comigo com voz tímida, enquanto o outro não olhava muito, só um pouco. Sempre que olhava para o menino que cantava junto comigo e ele me via, ele sorria. Isto me alegrava, parecia ser um bom rapaz. Havia um senhor próximo da escada, cerca de 7 passos à minha frente, parecia muçulmano. Fazia a sua oração sozinho em cima de um tapete muito bonito. Ele tinha uma barba bastante cheia e usava um turbante. Talvez por causa da ousadia daquele religioso do tipo islâmico e também da minha ousadia de cantarolar sem nenhuma timidez (desta vez sem beber – por enquanto) mais pessoas foram se aproximando, mas acho que era só para passar o tempo mesmo. Um garoto chegou e foi para perto dos meninos que estavam à minha esquerda. Pareciam serem amigos. Então agora eram três garotos. Este terceiro ajoelhou-se junto com o rapaz que não cantava e nem olhava muito para mim. Ambos ficaram de joelhos de frente um para o outro, fizeram alguns sinais como se fosse um tipo de saudação, mas era um tipo de saudação do desenho Naruto. O último garoto a chegar tirou de uma mochila uma catuaba e encheu dois copos especiais de doses. Após a saudação animada, embora com um semblante sério, beberam num único gole. Este garoto mais jovem tentava ter um olhar mais adulto, como se estivesse levando a saudação do desenho mesmo à sério. Eu continuava cantando e outras vezes parava. Certo momento em que parei para mais um descanso, levantei e fui até o casal que bebia vinho e pedi um gole. Mas não pedi com voz, apenas fiz um sinal para beber como se pedisse por favor. Aquele foi o meu cartão de apresentação para qualquer um que estivesse me observando. Psicologicamente aquilo gerou nas pessoas um interesse de me ver falar, ninguém sabia o que o rapaz do meu lado tinha lido, ou seja, eles não sabiam do meu silêncio, mas numa ocasião como esta, sempre ficam curiosos para saber o que está escrito. Não demorou muito para que um dos rapazes que estavam de pé viesse me pedir para eu tocar alguma música específica e eu fiz um sinal com o rosto como se dissesse que não posso dizer e que também não sei tocar aquela música. Com certeza ele não entendeu nada de primeira, precisei repetir o gesto algumas vezes, até que ele perguntou – Você não fala? – Já reparei outras pessoas me fazendo a mesma pergunta depois de me ouvir cantar, o que para mim faz a pergunta ser hilária. Neste momento tirei o papel do bolso e quando fui entregar. O rapaz que eu temia roubar meu violão (que acabou se tornando meu porta voz) tentou explicar meus motivos, mas o curioso só teve certeza quando leu. Este era o rapaz que cantava comigo e sorria para mim, enquanto que o terceiro garoto também percebeu e veio conversar comigo. Por estar bêbado facilitou o desentendimento, então mesmo depois de entregar o papel com as explicações resumidas, tive também de entregar o papel com o texto maior. O animado com Naruto se admirou tanto que disse que gostaria de me corrigir pela alcunha de Menino Elias, e disse que por esta atitude eu sou o Mestre Elias, e me chamou para tomar um drink de catuaba naquele copinho de doses. O que mais os bêbados hão de falar em vão? Não foi em vão, pois depois disso, ele foi o garoto que mais falou comigo durante aquele momento, posso dizer sem dúvidas que ele foi o foco da minha paz interior naquele instante. Bebi bastante e fiquei em silêncio, só falei durante as músicas enquanto cantava e tocava. Apareceu muito mais pessoas e tive preguiça de ficar lá perto delas. Uma das pessoas que apareceu era um antigo conhecido que não mais me reconhecia. Eu cheguei a falar o nome dele na esperança de que ele fosse levar minha atitude a sério, mas a maneira como ele me tratou me deixou tedioso e acabei me retirando daquele lugar, já estavam muito felizes tocando violão, eu não quis incomodar com a minha apatia. Realmente no início foi um pouco difícil de me adaptar a um grande número de pessoas, mas aos poucos tenho aprendido. Minha intenção não é de aparecer para ninguém deste mundo em vão, não é de ficar famoso neste mundo apenas por uma vaidade comum à maioria, não tenho motivação nenhuma para ter sucesso com este silêncio, mas existem diversos motivos embaralhados nas minhas causas. Como eu já disse, a principal é de aprender a ouvir, outra muitíssimo importante é para valorizar a fala, não ficar dizendo coisas inúteis o tempo todo, existem momentos que vacilamos, mas que não seja toda hora como uma filosofia de boteco. Me pergunto muito qual é a diferença de uma filosofia de boteco e uma filosofia de vida. Nesta mesma noite, encontrei com um velho conhecido chamado Rogi. Este é o pseudônimo que vou usar. Estudamos juntos informática na escola técnica Microlins. Já era mais de meia noite e eu estava perto de alguns punks que discutiam sobre a cor branca do cadarço do coturno que diferenciam skinheads sharpes, whitepowers, punks, street punks e skinheads nacionalistas. O tédiocomeçou a me consumir e peguei o violão para tocar alguma coisa. Naquela hora apareceu também alguns outros conhecidos de anos, um deles é skinhead sharp e é conhecido como Poodle. Poucos minutos, Rogi veio me cumprimentar, mas não estava sabendo da minha atitude de ficar em silêncio. Então fui para perto do banco-de-praça onde ele estava junto com um outro rapaz. Eles estavam tomando uma cerveja e pareciam insatisfeitos com alguma coisa. Tive que mostrar o papel explicando meu silêncio e ambos leram e se admiraram. Eu não conhecia o outro rapaz, mas ele não demorou muito para ir embora. Aos poucos, Rogi foi falando comigo sobre a sua vida e comecei a perceber a força deste silêncio. É como um psicólogo que não fala nada, o paciente sabe que o psicólogo está entendendo, por isso ele só precisa se abrir. Ele sabia que eu estava entendendo, mas bem no fundo, aquela sensação de querer fazer com que a pessoa fale com você vai crescendo na medida do tempo em que você fica perto da pessoa. Aos poucos o falante começa a se incomodar com esta atitude de silenciar-se e então ele sente necessidade de fazer você falar. Dar sua opinião, falar algo que acrescente, ou discordar, tanto faz, dizer qualquer coisa. Esta é a impressão que fica para quem está em silêncio nesta perspectiva. Rogi começou a desvendar seu passado e me contou que cometeu dois assassinatos. Ele também disse que estava armado com uma 38 com balas de dumdum e pretendia assassinar alguém, porque estava com este sentimento forte. Não importava quem seria. Eu nem me lembrava do nome dele, eu poderia ser facilmente um destes infelizes que ele gostaria de matar, faziam anos que a gente não se via. Quando ele me perguntou se eu lembrava do nome dele, a força do silêncio me ajudou a não precisar de responder. Do início ao fim, me mantive com um leve sorriso sem demonstrar absolutamente nenhuma preocupação, e de fato eu não tinha. No entanto, tive a necessidade de conversar com ele. Percebo que a vida tem um valor único, e não pode ser substituído da mesma forma como fazemos com o dinheiro. Por tanto, eu sei que o assunto era sério, e por isto achei muito mais interessante do que falar do visual do coturno que comentavam os punks. Precisei aprender na prática uma teoria de relevância. Foi preciso sentir qual assunto era mais importante para que eu entendesse o peso de cada situação, mas até então a minha indecisão costumava dizer "deixa a vida te levar". Então chamei Rogi num canto isolado e resolvi abrir minha boca para falar. Ele me dizia que se preocupava muito com o que ele já tinha feito e percebi que meu objetivo era acalmar o seus sentimentos aflorados e condicionados. Falei para ele sobre o perdão. Disse que a atitude de receber um perdão não depende das pessoas, depende de nós mesmos. A única pessoa que pode entender o perdão somos nós mesmos, sozinhos. Expliquei para ele que encontramos Jesus dentro de nós, esta é a forma do Espírito Santo, um sentimento que formamos a partir das coisas que vivemos e ouvimos, e isso não importa se vivemos diferente das outras pessoas, importa é o peso que sentimos e nós mesmos podemos aliviar este peso, é assim que sentimos o perdão divino. Parecia que eu já estava muito bêbado e não sabia o que estava falando, mas eu sei o que eu disse e sei qual foi o seu efeito. Depois de falar algumas coisas com ele, ele começou a ficar cada vez mais intrigado e impressionado comigo. Às vezes eu pensava que ele poderia querer me matar por qualquer motivo, mas eu não tinha nenhuma preocupação, sempre que eu precisava me acalmar, eu pensava que da morte eu não passaria, então estava tudo bem.Depois de algum tempo, chegou alguns rapazes que cantaram com a gente alguns rappers em beatbox, acenderam um baseado e o pessoal começou a ficar rindo à toa e calmo. Por efeito da maconha, Rogi começou a se esquecer das coisas que eu havia dito e voltou a ficar paranoico. A maconha tem esse efeito de fazer as pessoas esquecerem repentinamente muitas coisas, resolvi fumar junto e assim na prática provei que o controle mental está dentro de nós, é individual. Se ele presa pela vida, então a vida também prezava por ele. Acreditei nisso de coração. Ele se levantou e ficou andando de um lado para o outro com poucos passos curtos de frente para a fonte que fica próximo ao bebedouro da praça. Ele disse que estava perdendo o controle, disse que não queria esquecer o que eu havia dito e então eu dei outra dica para ele esfriar a cabeça. Nesta vez eu percebi que falar não adiantaria, até porque tinha muita gente por perto e eu não queria ficar falando com mais ninguém vendo. Então tirei minha blusa, tirei os papeis dos bolsos, guardei na mochila e pulei na fonte. Era madrugada e estava um pouco frio, e chamei ele para pular também. O pessoal começou a rir, gritar, uns diziam "Esse cara é muito doido", uma garota dizia "Essa água é toda mijada, os mendigos mijam nela", quando ela falou isso, enchi a boca de água e cuspia como se fosse um chafariz, brincando com a sorte sem nenhuma preocupação. Depois saí da água e aqueci o corpo fazendo umas flexões. Rogi ria bastante. Eu ria também assim como algumas outras pessoas. Logo depois um outro cara, morador de rua, fez a mesma coisa. Animou e pulou na água. Foi um momento mágico e gostoso, e eu não conversei com ninguém a não ser com ele. Uma semana depois, Rogi me disse que ficou muitíssimo feliz em ter falado comigo, disse que aquela minha atitude ajudou muito a vida dele, principalmente pelo fato de eu tê-lo chamado de amigo. Esta foi a frase que ele disse que nunca se esqueceria e percebi mesmo que ele sempre dizia "Você me chamou de amigo".

Vomitando Gritos de SilêncioOnde histórias criam vida. Descubra agora