Frustrações e Aproximações

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A semana seguinte começou com uma tensão palpável. Faye continuava focada em suas pinturas, mas sua concentração parecia desviar-se constantemente para Yoko, que estava ficando cada vez mais distante, mais atrapalhada, e cada vez mais... estranha. Faye, que odiava perder o controle sobre qualquer aspecto de sua vida, sentia-se incomodada pela presença de Yoko, mas de uma maneira que ela ainda não conseguia entender.

Naquela manhã, Yoko chegou visivelmente abatida, o rosto pálido e os movimentos lentos. Faye, que já estava no ateliê, olhou para ela com a sobrancelha erguida.

— Você parece que não dormiu nada — Faye comentou, seca, enquanto limpava suas mãos manchadas de tinta em um pano.

Yoko deu um sorriso fraco, enquanto se dirigia à mesa de trabalho para começar suas tarefas do dia.

— Não dormi muito bem, para ser honesta. — Yoko admitiu, sentando-se e começando a organizar alguns papéis. Suas mãos tremiam ligeiramente, e a expressão de cansaço era inconfundível.

Faye estreitou os olhos, observando a cena com mais atenção do que gostaria de admitir.

— Eu disse que você deveria ir ao médico. — Faye lembrou, sua voz saindo mais como uma ordem do que como uma sugestão.

— Sim, você disse... — Yoko suspirou, passando a mão pelos cabelos bagunçados. — Mas eu ainda não tive tempo.

Faye bufou, claramente impaciente.

— Isso não é desculpa, Yoko. Você está agindo como se fosse um robô que pode continuar trabalhando indefinidamente. — Faye cruzou os braços, encarando-a com firmeza. — Vá ao médico hoje. Não quero ouvir mais desculpas.

Yoko abriu a boca para protestar, mas a expressão de Faye não deixava espaço para discussão. Ela apenas assentiu, derrotada.

— Está bem, Faye. Eu vou... hoje. — disse Yoko, olhando para o chão, sua voz quase apagada.

O resto da manhã passou de forma tensa. Faye tentou ignorar sua crescente preocupação, mas não conseguia afastar o incômodo sentimento de que algo muito errado estava acontecendo com Yoko. Ela observava os pequenos erros acumularem-se: pastas caindo, papéis espalhados, e até uma caixa de materiais artísticos derrubada acidentalmente. Cada falha parecia atingir um ponto sensível em Faye, não pela desordem, mas pela fragilidade que Yoko demonstrava.

Durante a tarde, o ateliê estava mais quieto do que o normal. Faye trabalhava em uma nova pintura, mas seus olhos frequentemente se voltavam para Yoko, que estava sentada na outra extremidade da sala, com a cabeça apoiada nas mãos.

— Yoko — Faye chamou, dessa vez com um tom mais suave. — Venha aqui.

Yoko levantou a cabeça lentamente, surpresa com o tom mais brando de Faye. Ela se aproximou da artista, ainda sem energia, seus passos vacilantes.

Faye pegou um pequeno frasco de água que estava ao lado de sua paleta e entregou para Yoko.

— Beba. — disse Faye, com firmeza. — Você está péssima.

Yoko piscou, surpresa pela gentileza inesperada de Faye. Pegou o frasco com mãos trêmulas e bebeu alguns goles de água, sentindo um alívio temporário.

— Obrigada, Faye... — murmurou Yoko, ainda atordoada pelo gesto. Ela nunca imaginou que Faye fosse o tipo de pessoa que se importava com essas coisas.

Faye deu de ombros, voltando sua atenção para a tela.

— Não estou sendo gentil, Yoko. Só não posso ter minha assistente desmaiando aqui. — disse, com o mesmo tom impassível de sempre.

Mas Yoko sabia que, por trás daquela fachada dura, havia algo mais. Faye não admitiria, mas estava preocupada, e isso mexia com Yoko de uma forma que ela não conseguia explicar.

Mais tarde, Yoko estava tentando organizar algumas tintas quando, de repente, uma tontura forte a atingiu. Ela segurou o balcão à sua frente para não cair, o coração acelerado. Faye, que estava perto, notou o movimento súbito e se aproximou rapidamente.

— Yoko! — Faye exclamou, segurando-a pelo braço antes que ela caísse. — O que está acontecendo com você?

Yoko piscou várias vezes, tentando afastar a tontura, mas o pânico já estava crescendo dentro dela.

— Eu... eu não sei, Faye. — confessou, com a voz trêmula. — Eu só... não me sinto bem.

Faye a ajudou a sentar-se em uma cadeira próxima, seu rosto mostrando uma preocupação crescente.

— Isso não pode continuar assim, Yoko. Você precisa de ajuda. — Faye falou, dessa vez com uma suavidade que surpreendeu até ela mesma.

Yoko segurou a cabeça com as mãos, a respiração acelerada.

— Eu sei... eu sei, mas... eu estou com medo, Faye. — Yoko finalmente admitiu, sua voz pequena e frágil.

Faye ficou em silêncio por um momento, surpresa pela confissão. Ela nunca tinha visto Yoko tão vulnerável. Uma parte dela queria se afastar, voltar ao seu mundo de cores e formas onde tudo estava sob controle. Mas outra parte — uma parte que ela não reconhecia — queria ficar.

— Você não está sozinha nisso, Yoko. — disse Faye, de repente, sem pensar. — Eu vou te ajudar a descobrir o que está acontecendo.

Yoko olhou para Faye, chocada com a mudança no tom. Havia algo nos olhos de Faye que ela nunca tinha visto antes — algo que a fez sentir uma pontada de alívio.

— Obrigada, Faye... — sussurrou Yoko, com os olhos marejados.

Faye desviou o olhar rapidamente, desconfortável com a intensidade do momento.

— Não agradeça. Só... só não faça mais besteiras. — Faye respondeu, tentando recuperar sua compostura habitual.

Naquela noite, após Yoko ter ido para casa, Faye ficou sozinha no ateliê, olhando para as pinturas à sua volta, mas seus pensamentos estavam em outro lugar. Yoko. O que estava acontecendo com ela? Faye não conseguia parar de se perguntar. A sensação de impotência a irritava profundamente, mas ela sabia que, pela primeira vez, havia algo que não poderia ignorar. Yoko estava se tornando mais do que apenas uma assistente desastrada — ela era alguém com quem Faye se importava, mesmo que nunca admitisse isso em voz alta.

Entre Cores e SilênciosOnde histórias criam vida. Descubra agora