Tão gélido estava o rio que os seus braços não conseguiram ir além do curso habitual. Seu corpo molhado era envolvido pela manta de água. Os cotovelos altos, apontados para o céu, sentiam as tímidas gotas de chuva. Uma bolsa de ar transparente o revestia, como se fosse um saco amniótico, enquanto o corpo deslizava como uma seta projetada para frente, na horizontal, retomando calmamente. O rio bonançoso balançava com suavidade, manso, conduzindo o nadador, a ponta dos dedos mergulhando sem barulho, arrastando-o para frente. A respiração acompanhava o suspiro das águas, ouvindo o sonoro ritmo do mar distante, até chegar à areia.
Quanto ao corpo, exposto em terra firme, estremeceu de frio e sentiu as espadas de ventos cortantes levarem as gotas de água grudadas, como se fossem sabres de cristais arrancando granizo da pele. Os dentes rangiam. As pontas dos fios de cabelo se misturaram com o balanço da cabeça e espalhavam filetes cristalinos. Sua toalha havia desaparecido, embora estivesse sozinho. Um ronco alto veio por trás das nuvens e o primeiro relâmpago iluminou o céu.
Caminhou até o carro, passando pela penumbra que cobria todo o caminho. Um poste quase apagado, derramando uma fosca luz na calçada, revelou a parte dianteira do veículo. O primeiro suspiro veio-lhe, exausto, com os ombros sentindo o peso brutal da vida. As mãos secas e frias seguraram a porta. Antes de entrar, contemplou a fraca iluminação sentindo a paz melancólica transitando entre os corpúsculos de espectros lunares. Imaginou-se em um campo solitário, cheio de camélias, percebendo o uivo do vento em seu rosto, um leve sopro gélido nas plantas empurrando a grama para trás, num frescor nostálgico. Voltou para a realidade. Percebeu que a vida era feita de instantes e intervalos, como numa partitura, e este lapso temporal dava-lhe compreensões de beleza, de sabedoria, durante a orquestra da vida.
Deixou-se afundar no banco do carro, escondido em seu universo quente e reconfortante. Por trás do volante, havia um homem solitário, lúgubre, sem pretensões de arrancar os impulsos melancólicos que o constituíam. As avenidas da cidade pareciam estradas infinitas, cercadas pela densa neblina da noite. O limpador de para-brisas deixava marcas da geada no espelho e as luzes por trás da bruma oscilavam como fantasmas do inverno.
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Outubro
PoetryOutubro é um conjunto de textos escritos no mês que dá nome ao título. O intuito principal era compartilhar momentos da vida cotidiana e experiências que, às vezes, deixamos passar. Com um estilo mais poético em prosa, espera-se ser capaz de transmi...