OS TRÊS AMIGOS

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O homem musculoso de cabelos castanhos saltou sobre uma figura feminina que corria com um sorriso na face. Ela rolou pela relva verde e macia, puxando o jovem para baixo com ela.

— Peguei você! — disse o homem, sorrindo e ajudando-a a se levantar. — Vai ter que correr melhor da próxima vez, Matilde.

A moça demorou um pouco para responder, ainda recuperando a respiração.

— Isso não contou — disse ela, ofegante. — Eu acabei de almoçar... estou lenta.

— Deixa disso. Só admita que perdeu e amanhã pode tentar uma revanche.

Tentar? — ela indagou, indignada. — Sempre fui mais rápida que você, Leon, não preciso tentar!

Leon deu uma risada, e juntos, eles começaram a voltar para perto da muralha, caminhando lado a lado.

— Onde é que está o Tiffo, hein? — disse Matilde de repente, apertando os olhos e sondando os arredores.

— Pois é, pois é... Ele estava bem aqui há pouco. Não quis brincar de pega-pega com a gente...

— Aí estão vocês! — berrou uma voz rouca.

Os dois olharam na direção da muralha; viram Tiffo no parapeito da construção, acenando para eles. Era uma figura peculiar, vestida numa capa de mago toda roxa, com um chapéu grande e de ponta caída para trás.

Ao contrário dos seus amigos, Tiffo não tinha rosto; onde deveria ser a sua cara, havia apenas uma pequena nuvem escura com dois olhinhos similares a estrelas.

— Ah, seu sem-vergonha! — disse Leon, bem alto. — Ficou aí descansando enquanto a gente estava trabalhando duro!

— Se aparecer trabalho por aqui, me avise — disse Tiffo. — Porque vou poder finalmente desaposentar o meu cajado. — Ele ergueu a mão direita, na qual brilhou (à luz do sol) o cajado com um orbe de cristal na ponta.

— Esse é o seu problema — disse Matilde. — Não consegue ver que brincar de pega-pega é coisa séria.

— Ham! — exclamou Tiffo. — Dois marmanjos brincando de pega-pega. Quanta imaturidade, francamente... Ai! — Leon apareceu do nada ao lado de Tiffo (tinha entrado pelo portão da muralha e subido as escadas do parapeito) e o empurrou.

— Trouxa! — disse Leon, se abaixando e ralando o coco de Tiffo por cima do chapéu.

— Psicopata! — disse Tiffo. — Vai arrancar a minha cabeça!

Leon o largou, ajeitando o chapéu do companheiro antes de levantar o tronco e olhar para a vila. Tudo estava calmo como há muitos anos, os camponeses saindo e entrando de suas casas para trabalhar nas hortas.

Leon podia notar o brilho esverdeado do Cristal Vital lá na frente, no fim da rua principal, reluzindo dentro do imenso cubo de vidro mágico que o cercava. Aquele robusto minério era responsável pela vida naquela parte da floresta. Através de seu poder as hortas podiam ser cultivadas, gerando frutos em abundância para a comunidade.

— O que você está olhando, Leon? — disse Matilde, que também subira as escadas. — Parece meio viajado...

— Nada, nada. — O jovem sacudiu a cabeça. — É só que ele é tão bonito, o Cristal.

— Por isso devemos protegê-lo bem! — disse Tiffo, que não parava de ajeitar o chapéu na cabeça depois do rala-coco. — Como fizeram...

— Os seus antepassados — disse Matilde. — Sei, sei... sempre a mesma ladainha.

— Ei! — Leon os interrompeu, apontando para um camponês que corria pela rua principal, suando feito um boi. Seus olhos estavam muito arregalados, e os outros moradores começaram a cochichar entre si quando ele passava na frente deles.

— É o Pedro? — perguntou Matilde. — Ele parece...

— Aterrorizado — completou Tiffo, apertando o cajado de mago com força.

— Que será que aconteceu? — disse Leon.

Ele mal fizera essa pergunta e Pedro alcançou as escadas, bufando, o corpo curvado e trêmulo.

— Pedro — falou Leon, descendo os degraus junto dos outros para chegar ao camponês —, o que foi?

— Ele — disse Pedro, erguendo o rosto pálido —, ele está m-morto!

— Céus! — disse Tiffo. — Quem está morto? Como? Precisamos de mais clareza por aqui!

Pedro parou por um instante, tentando respirar com calma, mas seus olhos se encheram de lágrimas.

— M-meu pai! Alguma coisa matou meu pai! P-por favor, encontrem quem foi!

— Acalme-se, Pedro — disse Matilde, colocando uma mão no ombro do rapaz. — Primeiro precisamos saber onde ele está. O seu pai. Mostre-nos.

Pedro assentiu e os guiou pela rua principal. Atravessaram a praça do Cristal Vital e foram até o portão dos fundos da vila. Leon o abriu, e eles saíram pela floresta, ainda seguindo Pedro, assustados e pálidos. Por fim pararam, após terem se embrenhado alguns metros num bosque verde de árvores altas.

Pedro apontou para algo que estava deitado no chão, uma figura com a pele branca, drenada de vividez. Os olhos do pobre homem encaravam as copas das árvores, estatelados e estáticos...

Matilde abraçou Pedro, que começou a soluçar descontroladamente, enquanto Tiffo e Leon se agacharam sobre o cadáver.

— Tem algo no pescoço dele — disse Leon, apertando as sobrancelhas. — Você sabe o que é, Tiffo?

O mago deteve-se por alguns segundos nas marcas na garganta da vítima. Eram como cortes, só que negros e destacados. Pareciam-se marcas de graxa, mas profundas e encravadas na carne.

— Uma mordida de piche — disse Tiffo, preocupado e severo.

— E o que isso quer dizer? — indagou Leon. — É magia das Trevas?

— Sim. Mas não qualquer Magia das Trevas. Algum mago poderoso conjurou os seres das sombras. Apenas eles podem deixar marcas desse tipo... — Ele se levantou junto de Leon, acariciando o orbe do cajado. — Acho que nossas férias acabaram.

OS DEFENSORES DA FLORESTA MÁGICAOnde histórias criam vida. Descubra agora