Os dias na mansão de Edgar de Vere se desenrolavam com uma rotina familiar, e Safira começava a se adaptar à vida de serva. Acordar antes do sol, preparar o café da manhã e arrumar a mesa tornou-se parte do seu cotidiano. Ao lado de Clara, sua nova amiga, ela sentia que a vida na mansão era mais suportável.
“Você se lembrou de como se arrumam os pratos?” Clara perguntou, enquanto Safira ajeitava os talheres.
“Sim, mas às vezes sinto que estou mais perdida do que deveria,” Safira respondeu, rindo nervosamente.
Clara sorriu, sempre encorajadora, e com o passar do tempo, as duas se tornaram inseparáveis. Elas compartilhavam segredos e risadas enquanto enfrentavam as obrigações diárias, mas o clima na mansão nem sempre era amistoso. Madalena, a supervisora, estava sempre atenta, e as servas mais velhas frequentemente lançavam olhares críticos.
Certa manhã, enquanto estavam na cozinha, Alice, uma das empregadas mais antigas, começou a zombar de Safira e Clara. “Olhem só as novatas tentando se parecer com servas experientes,” ela disse, levando as outras a rir. “Parece que algumas ainda não aprenderam a não deixar a cozinha tão bagunçada!”
Safira sentiu a tensão subir, mas Clara a segurou pelo braço, transmitindo um apoio silencioso. “Vamos nos concentrar no nosso trabalho, Alice,” Clara respondeu com firmeza, desafiando a hostilidade.
Enquanto continuavam a trabalhar, Safira não podia deixar de notar a ausência de Edgar. Ele parecia passar a maior parte do tempo no escritório ou em compromissos fora da mansão. Raramente o via nos corredores, e sempre que tentava espiar pela porta do escritório, era interrompida por alguma tarefa. A curiosidade crescia, mas sua timidez a impedia de investigar.
Os dias seguiam, e a amizade com Clara se aprofundava, mas as provocações de Alice e suas amigas continuavam. Certa tarde, enquanto arrumavam os quartos, Clara comentou: “Você já viu como elas falam da gente? A última foi que nossas saias não combinam com a cor das paredes. É ridículo!”
Safira riu, percebendo a absurdidade da situação. “Parece que tudo é motivo para zombaria aqui,” disse, e as duas continuaram a trabalhar, encontrando consolo uma na outra.
Depois de um longo dia, Safira decidiu explorar a mansão durante um intervalo. Ao passar por um corredor, avistou uma porta entreaberta que nunca havia notado antes. A curiosidade a dominou, e sem pensar, empurrou a porta.
Ao entrar, deparou-se com uma sala empoeirada e mal iluminada. As paredes eram cobertas de pinturas, mas uma em particular chamou sua atenção: uma linda mulher retratada com um olhar sereno, como se estivesse observando tudo ao seu redor. O ambiente estava abandonado, e o ar era pesado com o cheiro de mofo.
Enquanto Safira observava a sala empoeirada, o rangido da porta a fez virar rapidamente. Edgar, que estava do lado de fora, havia notado a porta aberta e entrou, sua presença firme preenchendo o ambiente. Seus olhos se estreitaram ao encontrá-la parada em frente à pintura. Ele ainda não sabia o nome dela, mas a surpresa e a curiosidade em seu rosto eram inegáveis.
“Você não deveria estar aqui,” Edgar disse com firmeza, sua voz grave ecoando no espaço silencioso.
Safira se virou imediatamente, o coração disparando. “Eu… a porta estava entreaberta, senhor, eu só…”, ela gaguejou, tentando justificar sua presença ali.
Ele a interrompeu, a expressão severa. “Não me interessa por que estava aberta. Não é seu lugar estar aqui. Esta casa tem regras, e quem trabalha aqui deve conhecê-las e segui-las à risca. Não aceito desculpas para desobediência.”
As palavras de Edgar eram como aço, cada sílaba carregada de autoridade. Safira sentiu o rosto arder de vergonha, mas, antes que pudesse se conter, deixou escapar: “Se as regras fossem mais claras, talvez não houvesse tanto risco de alguém errar.”
Assim que falou, seus olhos se arregalaram, e ela imediatamente olhou para o chão, envergonhada pela ousadia. “Perdão, senhor,” murmurou rapidamente, sua voz agora baixa. “Não quis desrespeitar.”
Edgar permaneceu em silêncio por um instante, sua expressão endurecida enquanto a observava. Ele deu um passo à frente, sua presença imponente preenchendo a sala. “Você não está aqui para questionar as regras. Está aqui para obedecê-las. Mais uma infração como essa, e não haverá uma segunda chance.”
A dureza em sua voz era inconfundível, e Safira mal ousava respirar. “Entendido?”, ele exigiu.
“Sim, senhor,” ela respondeu, quase em um sussurro, sem ousar levantar os olhos.
Edgar lançou um último olhar afiado para ela antes de sair da sala. O silêncio que ficou para trás era pesado, e Safira mal conseguia acreditar no que havia acabado de acontecer. O conde não apenas a repreendera com severidade, mas também a fizera sentir o peso de cada palavra. Ela sabia que não podia mais cometer deslizes.
...
Naquela noite, após um dia longo de trabalho, Safira se deitou na cama ao lado de Clara, mas o sono não veio facilmente. O silêncio da mansão parecia amplificar seus pensamentos, cada sombra no quarto lembrando-a do encontro desconcertante com Edgar.
Ela se revirava, tentando encontrar uma posição confortável, mas a cena no cômodo empoeirado continuava a passar pela sua mente. A frieza nos olhos de Edgar, o tom severo em sua voz, e a maneira como ele a fez sentir-se pequena, como se sua presença ali fosse uma afronta pessoal.
Por que ele parecia tão incomodado? Seria só pela invasão de espaço, ou havia algo mais naquela sala, algo que ele guardava com mais cuidado do que o restante da mansão? A pintura da mulher ainda estava clara em sua mente. Quem era ela? A expressão no rosto daquela figura retratada parecia tão serena, mas ao mesmo tempo, cheia de mistério.
"Edgar quase nunca sai daquele escritório... O que ele faz lá?" Safira se perguntou em pensamento, o coração acelerando levemente ao lembrar do quanto ele parecia distante de tudo e de todos na mansão. Era como se ele pertencesse a outro mundo, um mundo que ela não conseguia entender.
Safira suspirou, voltando-se na cama novamente. Clara dormia profundamente ao seu lado, o rosto tranquilo. A jovem havia sido uma boa companhia desde que Safira chegou àquela casa, e ela estava grata pela amizade que florescia entre as duas. No entanto, naquele momento, nem mesmo Clara poderia acalmar os pensamentos turbulentos de Safira.
Ela sabia que deveria esquecer o que aconteceu e focar em seu trabalho, mas a sensação de estar sendo atraída por algo maior do que ela própria era inegável. Havia segredos naquela casa. Segredos que Edgar guardava com mãos firmes, mas que, de alguma forma, Safira sentia que acabaria descobrindo, mesmo que contra sua vontade.
A noite parecia se arrastar, e embora o corpo estivesse exausto, sua mente se recusava a descansar. Era como se o encontro naquele quarto proibido tivesse aberto uma porta não apenas naquela sala, mas em sua própria curiosidade.
Por fim, os olhos de Safira começaram a se fechar lentamente, e ela se entregou ao sono, com pensamentos entrelaçados de pinturas antigas e um conde misterioso.
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Sob o olhar da nobreza
ChickLitNo século XIX, Safira, uma jovem empregada do subúrbio, recebe uma oportunidade que pode mudar seu destino: um teste para trabalhar na imponente mansão do conde Edgar de Vere. Ao cruzar os portões de ferro da propriedade, ela se vê em um mundo de op...