Palidez e Cicatrizes.

O cheiro da carne no fogão estava por todo o pequeno apartamento,e a cozinha minúscula sendo ocupada por duas pessoas.

"Está com uma aparência muito boa,eu quero comer logo."

A voz rouca e o homem que abraçava a mulher por trás transmitia uma familiaridade e conforto de um casal apaixonado.

"Espere mais um pouco,vai ficar pronto daqui alguns minutos."

Mas a mão trêmula da mulher parecia não concorda com essa atmosfera pacífica,e os olhos castanhos e os dedos humanos flutuando na panela de água fervente zombavam da atuação medíocre da mesma.

Era estranho,a pouco tempo atrás os abraços e carinho entre eles eram comuns e bem apreciados por ambas as partes,mas atualmente apenas um demonstrava a mesma normalidade de antes.

Para Kaira toda essa situação era como um pesadelo que ganhou vida,um sentimento que ela tinha desde aquela noite era o ódio por aquele depósito velho.

Malditas coisas sobrenaturais.

***

Na madrugada de uma de sexta feira,o despertador do celular era um tormento.

Sempre que Kaira se levanta pra ir trabalhar Mikael acordava e se arrumava junto, não porque iria trabalhar também mas simplesmente para a acompanhar.

Era sempre ele que fazia o café e escolhia as roupas dela, e quando Kaira estava com tanto sono que nem se aguentava em pé era ele que a banhava.

Havia virado uma rotina, mesmo assim ele não se cansava e nem se enjoava dessas noites e dias iguais, porque Kaira estava lá.

Um cotidiano que ele amava, não importava quanto tempo passasse, mas a única coisa que não gostava era a relação não definida deles.

Sempre que tentava falar alguma coisa a covardia o tomava e o impedia,por causa disso um ressentimento cresceu sobre si mesmo desde então.

Mas ,naquela noite, assim como todas as outras ele escolheu uma roupa para ela é enquanto ela tomava banho ele acendeu um cigarro, coçou o queixo com barba pra fazer e preparou o café e um lanche pra comerem no trabalho.

Quando ela saiu do banheiro ele a seguiu junto pro quarto e a arrumou,fez seu cabelo e até passou perfume nela, depois disso ele sentou e esperou sua recompensa.

Ele não teve que esperar muito,pois assim que se acomodou na cama ela sentou no colo dele colocou as pernas dobradas de ambos os lados do tronco,passou os braços ao redor do pescoço em um abraço apertado,o encheu de beijos e esfregou o rosto no dele enquanto ambos sorriam no abraço que durou alguns minutos.

Essa sequência de ações era um ritual somente deles e de mais ninguém ,um que ele amava e apreciava.

Quando os minutos de aconchego acabaram eles tomaram o café e desceram pegaram a moto e foram pro trabalho de Kaira.

Era uma noite comum como todas as outras.

Se não fosse pelo desgraçado do depósito.

***

O velho supermercado local era localizado numa área mais remota, não havia muitos estabelecimentos por perto, sequer tinha postes de luz.

A única coisa que iluminava o local e o estacionamento eram as lâmpadas do próprio mercado antigo.

Por ter chovido um pouco antes da madrugada um vapor frio podia ser visto pelo lugar, assim como o reflexo do letreiro amarelo na poça de água.

O céu parecia querer derramar gotas grossas de chuva novamente, fazendo barulho e pequenos raios como um aviso do que está por vir.