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dezoito dias para a despedida

Helena

Estava sentada no chão do meu quarto com milhares de memórias espalhadas ao meu redor, fotos, cartas, todas relacionadas a pessoas especiais que eu amo mas as que mais me pegavam eram as que remetiam ao meu pai. Meu rosto chegava estar inchado de tanto que eu chorei lendo os bilhetes que ele me deixava, mais em específico o último.

"Lelê, papai não pode passar o dia com você hoje porque precisa trabalhar e quando chegar você vai estar dormindo já, mas eu prometo que amanhã a gente fica juntinhos!"

O amanhã não chegou, ele faleceu nesse mesmo dia. Isso me deixa reflexiva demais, morrer é literalmente um estralar de dedos, em um instante você está aqui, em outro já não está. Isso me assusta.

Respirei fundo e organizei tudo, guardando com carinho na minha caixa favorita. Levantei e fui tomar um banho gelado, após, vesti uma roupa confortável e fui até a sacada, vendo o nascer do sol.

Uma noite em claro, discuti com o Gabriel noite passada e desde então não consegui dormir por pura raiva e ansiedade. Já fazem dois dias seguidos que brigamos, ele voltou do Rio após a primeira briga e ontem a pauta da discussão foi o fato de que eu adiantei minha viagem em dois dias, mas o que eu posso fazer se não vai ter vôo escalado para o dia, e me foi dada a opção de realocar em um voo dois dias antes ou dois depois? Eu não posso atrasar!

Ele acha que é birra.

Eu tô vendo meu relacionamento literalmente desmoronar e não posso fazer nada para salvar.

Encarei o misto de laranja, rosa e azul no céu que mesclavam um lindo nascer do sol. Já é primavera, próximo do verão, minha estação favorita. Escutei o barulho da campainha e, por mais que eu já soubesse quem era, eu só caminhei até a mesma e a abri. Do outro lado, Gabriel estava escorado no batente esperando eu abrir, nossos olhares se cruzaram e ele tinha olheiras.

── Não dormiu porque me deu outro perdido? — Questionei cruzando os braços e ele desviou o olhar.

── Não, não dormi porque não consegui. Você sabe que eu não consigo dormir brigado e você não respondeu nenhuma mensagem, eu me preocupei. — Se justificou.

É verdade, assim como eu, ele não consegue dormir brigado com as pessoas, porém eu não respondi as mensagens porque precisava de um tempo para mim e sem briga, sem discussão de relacionamento.

── Desculpa. — Falou se aproximando e eu continuei parada no mesmo lugar, o encarando. ── Você chorou, não me diz que foi por causa minha que eu vou me sentir a pior pessoa do mundo. — Falou genuinamente com um tom de remorso e eu ri sem humor.

── Não. Não foi! Apesar de você ter dito coisas horríveis noite passada, Gabriel, eu não curto fazer o tipo quem chora por relacionamento.

Que mentira!

── Desculpa! Foi tudo na hora da raiva, eu tentei conversar com você várias vezes mas você só sabia me julgar, Helena, ate uma pessoa calma tem seus limites.

── Sabe o que é mais engraçado nisso tudo? — Falei fechando a porta e o encarando. ── Toda vez que eu sinto raiva de alguma situação que te envolva, eu não falo com você, discuto o básico mas evito falar justamente para você não ter que ouvir coisas que eu sei que podem te magoar, eu não quero nunca te causar isso! — Disparei as palavras e ele virou o rosto.

Nosso santo parece não bater mais.

── Só tá caindo a ficha agora que a gente vai terminar, você falou antes mas parece que eu não tinha entendido a gravidade da situação. A minha cabeça simplesmente fingiu que isso não era verdade!

── Complicado. — Murmurei enquanto ele rodeava o olhar na casa, em seguida me encarou. ── Que?

── Tava bebendo?

── Por que? — Ele apontou com a cabeça para a garrafa de vinho vazia ao lado de uma taça em cima da mesa de centro. ── Eu bebi ontem a noite.

── Isso te faz mal.

── Ninguém morre por beber um vinho, Gabriel.

── Não morre, mas isso tem sido recorrente para você. Não é de hoje que eu percebo que você tem usado o álcool como válvula de escape para os seus problemas, Helena! — Falou de braços cruzados e eu suspirei.

Ele não tá mentindo. Faz um tempo já que eu sinto uma sensação de solidão dentro de mim, não solidão de pessoas porque eu to sempre rodeada, mas um vazio, e ele se intensifica quando coisas que eu não gosto acontecem, como brigas. Então eu fujo.

Suspirei, me sentindo vulnerável.

── O que tá acontecendo? — Perguntou se aproximando e mexendo no meu cabelo. ── Tem algo que eu deveria saber? Você tá muito estranha faz tempos.

Mordi meu lábio sem fazer contato visual e novamente a vontade de chorar me invadiu, só que dessa vez não era por memórias, mas sim por estar me sentindo tão entregue, entregue até demais, de uma forma que eu nunca estive.

── Eu não quero ter que terminar. — Fui sincera, sentindo minha voz embargar e no mesmo instante Medina me puxou para um abraço apertado. ── Eu odeio essa crise de briga que estamos enfrentando, eu odeio não conseguir confiar cem por cento em você e odeio essa situação toda.

── Tá, calma. — Falou beijando minha cabeça. ── Desculpa, vai ficar tudo bem. Eu prometo, sempre fica!

Sempre fica, mas dessa vez não vai ficar.

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⏰ Última atualização: Oct 23 ⏰

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lentes no horizonte, gabriel medina. Onde histórias criam vida. Descubra agora