O Cristal Vital continuava transparente, sem energia... Ao seu redor, o negrume das trevas se espalhara. Uma neblina densa e branca envolvia a vila, pairando sobre os esqueletos dos camponeses.
E no adarve estavam dois homens, cercados por monstros de piche.
— Ah, Alfredo — disse Kristanus, inspirando o ar morto. — Como é boa a essência das trevas, mãe de todas as coisas malignas! — Seus olhos verdes se arregalaram de prazer e obsessão, estatelados. — Não acha maravilhoso?
Alfredo hesitou brevemente antes de responder, fungando com as imensas narinas.
— Sim, mestre, é magnífico. — Fez uma pausa, falando em seguida, um pouco envergonhado: — Mas, senhor... Quais serão os nossos próximos passos?
— Você parece minha falecida mãe, Alfredo. Não se aguenta de tanta pressa. — Kristanus riu, colocando uma mão no ombro direito do servo. — Acalme-se, eu já tenho tudo planejado. Veja, lá na frente... As coisas estão progredindo.
Alfredo apertou os olhos na direção em que seu mestre apontou, vendo figuras recurvadas e medonhas se movendo no bosque enegrecido.
Eram bruxas, que se aproximavam com cautela, as faces sempre encarando a muralha, como se alguma ameaça pudesse surgir da vila de repente.
Tinham uma aparência horrorosa. Braços finos, narizes largos e ossudos, olhos afundados e rodeados de uma cor roxa e doentia. Vestiam-se em montes de trapos, as cabeças cobertas por chapéus pontudos, cheios de furos.
— Venha comigo — disse Kristanus, abrindo as asas e se erguendo no ar. Voou até o bosque na frente da muralha, acenando para as bruxas.
Depois de ordenar que os Famintos ficassem no adarve, Alfredo desceu as escadas e saiu pelo portão, juntando-se ao mestre do lado de fora.
— Veja como estão perdendo o medo de mim — disse Kristanus, os lábios abertos num sorriso obscuro.
Alfredo reparou nas bruxas, que à medida em que o dracônico acenava, saíam de trás dos troncos, caminhando até os dois homens.
Por fim, uma das criaturas parou diante de Kristanus. Era ainda mais feia e monstruosa que as demais, a espinha tão torta que a fazia arrastar os dedos no chão enquanto andava.
— Você... — disse a bruxa, num sussurro rouco. — Você tirou os humanos daqui? Onde está a energia daquele Cristal horroroso, que queimava minha pele e os meus olhos? — Ela colocou-se na ponta dos pés, tentando enxergar por dentro da vila. — Onde está?
— Eu, Kristanus, o consumi — respondeu o homem-dragão, empertigando-se. — Vocês, bruxas, não precisam mais temer a luz do Cristal, ou os humanos malditos que habitaram esta floresta. Todos foram aniquilados por mim e por meu lacaio. — Apontou Alfredo, que fez uma reverência singela.
— Isso não é possível — disse a bruxa, deixando escapar um sorriso de dentes podres. — Meus avós foram os primeiros a serem expulsos daqui pelos humanos... Eu não acredito que finalmente poderemos voltar...
Kristanus pigarreou e disse:
— Sim, vocês poderão voltar a viver aqui por quanto tempo quiserem, mas... — Ele pareceu raivoso e ameaçador por um momento, o que fez a bruxa dar um passo para trás, assustada. —...Não acha que devem algo a mim, que tomei este lugar para os seres das sombras? Não acha que, enquanto eu desejar, você e as suas seguidoras não devem se submeter às minhas ordens?
A bruxa tremeu, arregalando os olhos. Ficou indecisa por alguns segundos, digerindo o que ele dissera. Então perdeu a expressão de medo, a qual se transformou num sorriso de malícia.
— Mas é claro, milorde — falou por fim, inclinando-se (ainda mais) para uma reverência. — Nós o serviremos pelo tempo que desejar, demonstrando a gratidão que temos por nos ter livrado dos humanos. Seremos eternamente gratas...
Mais bruxas foram saindo da floresta, aumentando a velocidade à medida em que o medo as abandonava.
— Ótimo — disse Kristanus, excitado. — Então se aprontem para partir, pois iremos à Floresta Anciã; lá, pegarei o último Cristal de que preciso.
— Perfeito — disse a bruxa. — Avisarei às minhas seguidoras o seu desejo, milorde Kristanus. Mas antes, gostaria de lhe presentear com algo... — Ela tateou as próprias vestes imundas, tirando de um dos bolsos uma maçã. Mas não era uma maçã normal; essa brilhava num vermelho muito forte, fazendo parecer que a fruta fora mergulhada em sangue.
— Para o seu lacaio — disse a bruxa, aproximando-se de Alfredo. — Considere como um sinal de respeito das bruxas pelos feiticeiros.
Alfredo engoliu em seco, encarando Kristanus com o rosto pálido.
— Coma — disse o mestre em tom imperativo.
Tremendo, o mago das trevas apanhou a fruta e a mordeu.
No mesmo instante, sentiu algo queimar dentro do peito, fazendo seu coração bater rápido. Deixou a maçã cair, erguendo a cabeça para o céu. O capuz lhe tombou do rosto, revelando sua cara branca feito neve, os olhos arregalados e cheios de veias. De repente, eles começaram a brilhar numa luz azulada e elétrica, e raios brotaram por todo o seu corpo, lhe percorrendo os membros.
— Quanto poder! — gritou. — Quanto poder!
Kristanus e a bruxa gargalharam para o alto.
— Agora — disse Alfredo, tentando se manter ereto e controlado diante de toda a força mágica que o possuía —, aquele mago amigo dos humanos não terá a mínima chance. Da próxima vez que nos encontrarmos, eles não vão escapar.
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OS DEFENSORES DA FLORESTA MÁGICA
FantasíaPara proteger o Cristal Vital, Tiffo, Matilde e Leon têm que dar o seu melhor!