Prólogo

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Itália, Oito anos atrás.

Eu estava nervosa. Muito nervosa. O ar parecia vibrar ao meu redor enquanto eu andava de um lado para o outro, ajustando a maquiagem e arrumando o cabelo. As batidas na porta me arrancaram do transe e me fizeram saltar da cadeira. Abri a porta rapidamente e lá estava meu pai, seu sorriso caloroso me acalmando por um momento. Ele estava impecavelmente vestido com um terno escuro, gravata alinhada, e uma flor branca na lapela.

— Você está linda, filha. — Sua voz era suave e acolhedora, exatamente o que eu precisava naquele momento.

— Obrigada, pai. Viu a Ava? — Perguntei, tentando manter a compostura enquanto meu coração batia acelerado.

— A Ava não vem. — Ele respondeu com uma seriedade que fez meu estômago afundar, mas logo abriu um sorriso. — Brincadeira! Ela está linda, assim como você. — Suspirei aliviada e dei um leve tapa em seu braço.

— Não brinca com isso! Já estou nervosa demais. — Respondi, soltando o ar pesadamente.

— Ela não seria louca de te deixar, Miranda. — Meu pai abriu os braços e me puxou para um abraço caloroso. O toque de seus braços fortes me acalmava, me fazendo sentir segura, como quando eu era criança.

— Eu sei. — Mergulhei em seu abraço, absorvendo todo o conforto que ele transmitia.

Ele me soltou devagar e deu um último ajuste na gravata antes de sair.

— Agora se apresse, está quase na hora.

Fiquei um instante sozinha, respirando fundo. Encarei o espelho uma última vez e sorri. Não apenas por me sentir bonita, mas por saber que estava prestes a casar com o amor da minha vida. Desci as escadas, cada passo me trazendo à memória todas as vezes que corri por ali quando era pequena, com meu irmão me perseguindo.

Na sala, meus pais e meu irmão mais novo me aguardavam. A expressão de orgulho e carinho no rosto da minha mãe fez meus olhos marejarem. Ela pegou minha mão e a beijou com ternura.

— Você está deslumbrante, minha filha. Ava é uma mulher de sorte.

Pegamos o carro em direção à igreja, o prédio branco com arquitetura barroca que sempre me fascinou quando passava por ali a caminho da escola. Era clichê casar na igreja onde fomos batizadas, mas a história daquele lugar e o afeto que nossos pais nutriam pelo padre que nos conhecia desde pequenas nos convenceram de que era a escolha certa.

Do lado de fora da igreja, avistei minha mãe correndo à frente para avisar sobre minha chegada. Meu pai e meu irmão se posicionaram ao meu lado, e juntos adentramos o local. As notas da música nupcial preenchiam o ambiente, e avistei Ava já posicionada no altar. Ela estava de costas para mim, mas seu leve tremor denunciava o nervosismo. Assim que me viu, seus olhos encheram de lágrimas e ela sorriu de um jeito que fez meu coração disparar.

Cheguei ao altar com o braço do meu pai me segurando firme. Ele me beijou a testa e se afastou, me deixando de frente para a mulher que eu amava desde sempre.

— Gostei do terno. — Murmurei, notando como ela estava impecável em seu conjunto escuro.

— Lindo vestido. — Ela respondeu, sua voz tremendo levemente de emoção.

Por alguns segundos, fiquei hipnotizada pelo tom vermelho intenso de seus lábios. Era como se o tempo tivesse parado, até que o padre iniciou a cerimônia e nos trouxe de volta à realidade.

— Na presença de todos que estão aqui, e na presença divina, inicio a celebração dessa linda união, entre Miranda e Ava...

Enquanto ele falava, Ava entrelaçou seus dedos aos meus. Foi como um ancoramento. Suas mãos quentes, apertando as minhas, traziam a segurança de que eu precisava para finalmente declarar em voz alta tudo o que sempre senti.

— Eu te conheço desde que éramos bebês... — Iniciei meus votos. — Passamos todos os momentos importantes da vida juntas, e eu sempre soube o que sentia por você. — Respirei fundo, sentindo a emoção subir pela garganta. — Mas foi quando você segurou minha mão e, no dia seguinte, me beijou, que tudo mudou. Estar aqui com você hoje é a maior honra da minha vida.

Ava sorriu, deixando que suas lágrimas escapassem.

— A primeira vez que te vi... — Ela começou, com a voz trêmula. — Você estava de fraldas. — Risos preencheram o ambiente, mas logo se acalmaram para que ela prosseguisse. — Quando eu segurei sua mão pela primeira vez, senti algo mudar dentro de mim. No dia seguinte, te beijei, e tudo de uma vez mudou.

O som do "eu os declaro casadas" foi a melodia mais doce que já ouvi. Quando nossos lábios se encontraram, foi como se o mundo tivesse parado, e ali, naquele instante, nada mais importava.

Canterbury, Inglaterra, Dias atuais.

Canterbury, com suas construções medievais e ruas cheias de história, tinha se tornado nossa casa há quatro anos. A cidade que selou o nosso primeiro beijo e hoje era o lugar onde vivíamos nossa rotina de casadas, ou a falta dela. Estava sentada na escada de entrada da nossa casa, segurando o álbum de fotos do nosso casamento, foram momentos felizes, mas estava tudo mudado. As noites em Canterbury sempre traziam um ar frio que me fazia lembrar dos invernos na Itália, e me fazia lembrar de como a vida pode mudar de uma forma que não imaginamos.

— O que faz aqui fora? — A voz de Ava me tirou dos devaneios. Ela estava séria como todos os dias. Era tarde, e eu não havia conseguido dormir.

— Estava olhando nossas fotos do casamento. — Confessei enquanto ela se sentava ao meu lado, depositando um simples beijo na minha bochecha.

— Você está sempre olhando nossas fotos. — Ela disse olhando para cima, tentando estalar o pescoço.

— Elas me inspiram. — Respondi, sentindo o vento gelado.

— Eu te inspiro. —  Ava disse com um sorriso travesso. Lancei um pequeno sorriso frouxo. Nossos dias eram assim há mais ou menos dois anos, ela saia para trabalhar e só retornava para dormir e repetir o ciclo no dia seguinte. Eu continuava presa na minha cabeça, sem saber como sair.

Aqueles momentos com ela eram os únicos que tínhamos e nada disso poderia me inspirar ou me ajudar a curar o bloqueio criativo que vinha me assombrando. A mulher ao meu lado foi a minha musa, minha inspiração, por anos, e, naquela noite fria, eu percebi que tudo estava longe de ser como antes.

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