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II

Carolina Holanda de Matos Pimenta

São quatro da manhã. Seco o suor do meu rosto e lavo as mãos. Ao sair do centro cirúrgico, me debruço sob a cama da sala de descanso, em busca do mínimo de conforto em minha coluna já devastada para uma jovem de vinte e oito anos.

É irônico, não? Uma médica com a saúde péssima. Mas, acreditem, isso é o mais comum de se ver. Os profissionais da saúde ficam doentes pra salvar a vida das pessoas. E ainda há quem os ofende. Sinceramente, o sistema nacional de saúde só decaiu com o decorrer dos anos.

No atual momento, estou prestes a terminar minha especialização em pediatria. O que eu nunca acreditei que aconteceria, afinal, não pensava em me dar bem com as crianças. Porém, eu fui conquistada, roubada e fiquei pelo neonatal alguns longos meses. Até que aceitei que era meu lugar e escolhi a residência.

Agora, acabo de sair de uma cirurgia em uma menina de sete anos. Ela tinha apendicite aguda e nós tivemos que operar com pressa, afinal, só veio ao hospital no ápice da inflamação. O que acontece bastante, viu? Às vezes a falta de diálogo da criança com os pais, por receio ou vergonha, atrapalha no cuidado dos pequenos.

Por isso a psicologia está sempre presente. Nós sempre trabalhamos com as crianças no mental. Mostramos a elas o quão importante é conversar e expor o que sente. Se eu, Carolina, demorei muito tempo pra entender isso, é meu dever tentar mostrar isso aos pimpolhos desde novos.

Não consigo pregar meus olhos direito. Se fiquei quinze minutos deitada foi muito. Eu não sou médica do trauma, mas como dito anteriormente, o sistema de saúde só tem perdido cada vez mais, e os profissionais têm abandonado suas carreiras. Então, pra ganhar um extra, eu cubro a emergência faltando duas horas pra largar o plantão.

O alarme do quarto apita e eu levanto. O que será que aconteceu dessa vez? Pode ser desde uma facada na nuca até uma tosse carregada. Tem tantas opções que enquanto eu corro pro primeiro andar do hospital, fico perdida nos pensamentos.

– Carol, já fiquei sabendo o que houve - Micael, meu namorado, ou melhor, meu ficante sério, chega do nada ao meu lado. - um tiro no peito, uma facada na barriga e... uma queimadura não sei onde, mas sei que o queimado teve que tirar a camisa. Tudo no prontuário.

– Já fizeram o prontuário? - Questiono, impressionada, afinal a burocracia sempre enfiam no cu das enfermeiras.

– Não, você vai fazer e por as informações - Ele explica enquanto andamos freneticamente. - acabei de chegar... você tá bem? Senti saudades! Vou ver se pego o caso da facada, e você?

– Saudades - Sorrio de leve e me inclino pro seu lado. Roubo um rápido beijo seu. O sorriso do moreno é instantâneo. - eu vou pegar a queimadura, meu plantão acaba em duas horas e deve dar tempo.

– Ah, sim - Ele sorri e ajeita o próprio crachá. - eu amo esse trauma... essa sensação de adrenalina, sabe? No hospital de ontem teve um cara com uma estaca atravessada na coluna, acredita?

Dou uma risadinha, ao contrário de mim, Micael precisa de movimento, de barulho, de casos complicados e que necessitam da sua perfeita capacidade em lidar com o caos.

– Caraca! Atravessada? Ele com certeza perdeu os movimentos - Deduzo pra mim mesma, estamos quase chegando no centro de trauma. - Coitadinho, eu não sei se conseguiria lidar bem... prefiro meus pequenos.

Uma linda mulher - Raphael Veiga.Onde histórias criam vida. Descubra agora