Único

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Este mundo não
                      me pertence
(Eu sinto a sua falta.)

Os braços fracos do garoto tremiam, os dedos mal posicionados no gatilho entregavam a sua falta de prática, aproximou seu olho do escopo e sem nem mesmo enxergar o alvo, atirou.
Bufou quando percebeu ter errado, o vendedor fez uma expressão de desdém e agarrou a arma das mãos do loiro, que apenas aceitou e entregou os dez reais para o mesmo, virou-se derrotado e encarou seu irmão que se deliciava num sorvete de flocos com calda de morango que parecia estar vencida a pelo menos duas semanas, o sorvete escorria pelos dedos do pequeno que não ligava para a bagunça, quando percebeu o olhar do irmão, lambeu os lábios sujos e disse de boca cheia:

"Conseguiu o urso?"
Lambeu o sorvete, melecando mais uma vez sua boca.

O loiro achou ridículo o jeito exagerado do irmão de comer o doce daquela maneira — se lambuzando todo.

"Não."
Respondeu, descendo da plataforma de metal onde estava e ficando frente a frente com o menor.

"Eu sabia que você era ruim de mira."
Debochou, rindo da cara de Linn, que desgostou da brincadeira e puxou-o pelo braço atravessando o parque todo até uma mesa qualquer da praça de alimentações, agarrou duas folhas de papel e esfregou a boca do garotinho que achou um absurdo aquilo.

"WAAAAAH, ME LARGA LINN!!!"

"Então se limpa logo, é uma palhaçada você comer como um animal e depois a mãe vir me dar bronca..."
Ele retira o papel e coloca na mesa, agarra mais três folhas e limpa os dedos sujos da mão esquerda do irmão, que enquanto se debatia acabou derrubando o sorvete no próprio pé, um silêncio instalou-se entre os irmãos, o loiro soltou a mão do esverdeado e ambos se entreolharam, olharam para o sorvete, se entreolharam, sorvete, entreolharam e...

"MEU SORVETEEEEEEEEEE"
Ele gritou tão alto que a praça parou em silêncio, o garotinho chorou e bateu no peito do irmão mais velho; sujando seu moletom de restos de sorvete.
O loiro fica estático, engole um seco e olha ao redor, cochichos e frases como "que mimado...", "pai tão cedo?", "os pais de hoje são frouxos." Ressoavam no ambiente.

Como um bom adulto de vinte e três anos, Linn virou-se e andou até o banheiro mais próximo, o garotinho parou de chorar quando percebeu o irmão indo embora, os cochichos pararam e a praça ficou apenas em silêncio.

Silêncio mortal.

Linn apoiou as mãos na pia e praticamente cuspiu um suspiro profundo, mordeu os lábios tentando esquecer os olhares da praça, o loiro odiava sair com Azedo pelo simples motivo de não saber lidar com suas birras, elas sempre acabavam em humilhação pública ou comentários idiotas das pessoas — podia não parecer, mas aquilo doía, as pessoas eram cruéis com comentários, machucavam uma as outras apenas pelo entreterimento, o mundo era podre. Linn sabia disso, mas continuava saindo com o irmão pois achava que talvez um dia enfim, aquele fuzuê não acontecesse por motivos tolos. — Linn derruba a cabeça entre as mãos, os dedos puxam o cabelo com força, acaba tentando respirar fundo para não acabar vomitando o crepe que havia acabado de comer, funciona momentaneamente.

Ele levanta o rosto e olha para o próprio moletom sujo. — O que ele havia feito de tão ruim para merecer ter o moletom rebocado de calda de morango e receber tapas? —
O garoto leva a mão até a torneira e abre-a, deixando a água escorrer num fluxo contínuo, aproxima os dedos e molha um pouco e tenta esfregar na mancha que já estava seca.
Quando percebeu que não saiu, desistiu e apenas retirou o moletom, não era bem um problema retira-lo, mas era desconfortável ter os braços descobertos.

Este mundo não me pertence (Moralinn)Onde histórias criam vida. Descubra agora