Prólogo

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1994

— Força, já estou vendo a cabeça. Faz mais um pouco de esforço, Gabrielle! — A voz da parteira ecoou pelo quarto, firme e encorajadora. Gabrielle deu um último grito segurando-se nos lençóis com todas as forças. Os sons que se seguiram foram de choro pela segunda vez na noite. A irmã mais nova acabara de nascer.

A parteira olhou para Gabrielle com um sorriso de alívio e disse:

— É mais uma menina, e ela é idêntica à primeira.

Gabrielle usou seu último fôlego para esboçar um sorriso fraco. Uma lágrima escorreu de seus olhos e então ela ficou imóvel. Ela acabou falecendo.

A parteira, ao perceber o silêncio da mulher, se aproximou para ver o que se passava e foi então que percebeu a tragédia. Ela  saiu do quarto apressadamente em busca de Robert. Encontrou-o parado diante das grandes portas da sala como se estivesse esperando por notícias.

— Senhor Robert... — Começou ela ofegante. — Suas filhas nasceram, mas... — Fez uma pausa, como se precisasse de coragem para continuar. — Infelizmente sua mulher morreu.

Os olhos de Robert se arregalaram de surpresa. Seu coração acelerou, e ele levou a mão ao peito, apertando-o como se a dor fosse física. Lágrimas começaram a rolar de seus olhos, e ele chorou desoladamente por minutos que se estenderam, parecendo horas. Quando finalmente se acalmou, dirigiu-se ao quarto de sua falecida esposa, seguido pela parteira.

— Qual delas nasceu primeiro? — perguntou sem olhar para trás.

A mulher atravessou o quarto e pegou a primogênita em seus braços.

— Esta que carrego em meu colo, foi a primeira. A outra que está na cama nasceu por último.

Robert olhou para as filhas com desgosto e declarou:

— A primeira se chamará Genesis, por representar o princípio. E a segunda se chamará Nemesis, pois ela foi a perdição da minha mulher. — Sem dizer mais nada, ele saiu do quarto.

2007

Treze anos se passaram. Em uma noite tempestuosa, no aniversário das gêmeas, que coincidia com o dia da morte de Gabrielle, Robert voltou para casa embriagado. Ele esbarrava em tudo pelo caminho, fazendo com que sons estrondosos reverberassem pela mansão.

Nemesis, que descansava em seu quarto, acordou abruptamente com o barulho vindo do andar de baixo. Olhou para Genesis ainda que dormia serenamente e revestindo-se de coragem, decidiu descer e averiguar a origem do som sozinha.

Ao chegar à cozinha, ouviu a voz rouca do pai e em seguida, o som de um copo sendo arremessado. Seu coração acelerou. Sabia que, quando Robert bebia, tornava-se agressivo e descontava sua raiva nas filhas, deixando marcas profundas tanto físicas quanto emocionais.

— Pai, o que... o que está acontecendo? — gaguejou, tentando disfarçar o medo.

— Ora, ora, se não é uma das desgraçadas que levou a vida da minha mulher! — Sua voz era ríspida, carregada de desprezo, especialmente por Nemesis.

— O que está dizendo, pai? —  Nemesis sussurrou segurando as lágrimas.

— Estou dizendo que você é uma assassina! Mas eu já não vou tolerar isso. Não permitirei que as assassinas da minha mulher continuem vivendo debaixo do meu teto.

Robert avançou em direção a Nemesis, mas, por estar bêbado, tropeçou. Isso deu à filha uma brecha para fugir.

— Pai, por favor, se acalme! — implorou chorando.

— Já me acalmei por tempo demais. Treze anos se passaram e eu não pude vingar a morte da minha mulher. Mas assim que acabar contigo, irei atrás da tua irmã.

Novamente, Robert se aproximou, desta vez com sucesso. Agarrou Nemesis pelo pescoço e começou a sufocá-la. Ela se debateu, arranhou o pai e tentou se soltar, mas era em vão. Desesperada, esticou a mão em busca de algo que pudesse ajudá-la antes que o pior acontecesse. Foi assim que encontrou uma faca e com toda a força que lhe restava, a cravou nas costas de Robert.

O homem gritou, sua voz ecoando por toda mansão. O grito diminuiu gradualmente até silenciar. Seu corpo caiu ao chão, imóvel.

Nemesis ficou alguns segundos segurando o pescoço, recuperando o fôlego. Quando finalmente se acalmou, olhou para o pai estendido no chão cercado por uma poça de sangue. Seus olhos estavam abertos, mas vazios. O terror tomou conta dela e tudo piorou quando percebeu Genesis parada na port, com os olhos arregalados de choque.

— Genesis... — chamou a irmã. Ao tentar se levantar, um vaso de rosas brancas caiu e uma das flores pousou sobre o corpo de Robert.

Genesis recuou, gritando:

— Não se aproxime de mim, assassina! Você é uma assassina!

E saiu correndo em direção ao exterior da mansão. Nemesis correu atrás, tentando alcançá-la, mas Genesis era rápida demais.

— Genesis, espere! Eu posso explicar! — gritou enquanto corria.

De repente, um grito agonizante ecoou. Nemesis correu ainda mais rápido e encontrou a irmã caída no lago, lutando contra as águas agitadas pela tempestade. Sem pensar duas vezes, Nemesis mergulhou para salvá-la.

Ambas se afogavam, puxadas pela correnteza. Enquanto a consciência de Nemesis se apagava, suas últimas lembranças foram do pai e da irmã gritando: "Assassina!" Com esse pensamento, tudo escureceu.

*****

Nemesis acordou atordoada, as memórias ainda vívidas em sua mente. Olhou em volta e percebeu que estava de volta à mansão. Com esforço, levantou-se e saiu em busca de Genesis.

— Genesis! Genesis! — gritou, sua voz ecoando pelos corredores.

Marie Connor, a governanta e babá das meninas, apareceu e a abraçou.

— Querida, por que se levantou? Devia estar descansando.

— Onde está Genesis? Quero vê-la! — exigiu Nemesis, sua voz carregada de angústia.

O olhar de Marie se entristeceu e uma lágrima escapou de seus olhos.

— Genesis está sob observação médica, mas ela ficará bem. Você sabe que ela não sabe nadar...

Nemesis sentiu o peso da culpa. Sabia que aquilo não teria acontecido se...

— Não, a culpa não é minha. É do miserável do meu pai! — Sua voz tornou-se fria, carregada de ódio. Dirigiu-se à cozinha esperando encontrar o corpo, mas o local estava imaculado como se nada tivesse acontecido. Olhou para Marie que a acolheu com um olhar compreensivo, afagando seus cabelos.

— Ninguém irá magoar você de novo, querida — disse a anciã sorrindo.

Naquela noite, Nemesis não conseguiu dormir. A culpa pelo estado crítico de Genesis e o ódio pelo pai morto consumiam-na. Desejou, por um momento, poder revivê-lo só para matá-lo novamente. Ao perceber a escuridão de seus pensamentos, entendeu por que pai e irmã a chamavam de "assassina".

Talvez eu não seja tão diferente do que eles dissera, ela pensou, seu olhar se escurecendo como uma névoa densa e sombria.

Enquanto todos dormiam, Nemesis pegou sua mochila, colocou duas mudas de roupa e o dinheiro que havia juntado. Sem olhar para trás, abandonou a mansão deixando para trás uma infância marcada por dor e culpa.

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