- Essas flores estão cada dia mais lindas, pai - Disse Lua Vidal.
- Sim, filha - O homem era alto, usava um terno típico de professor, e mancava um pouco da perna esquerda enquanto empurrava o carrinho de rodas da filha pelo jardim.
- Você precisa mesmo viajar hoje, pai? Não queria ficar sozinha.
- A Ekaterina vai cuidar de você enquanto eu estiver fora. Não dê trabalho pra ela.
- Prometo não sair correndo por aí - O tom da menina era uma tentativa de descontrair o clima pesado, mas falhou. O pai manteve o semblante férreo dos últimos 6 meses.
A campainha tocou.
A mulher era alta e usava um vestido vermelho, contrastando com o batom claro. Quando falou, a nacionalidade russa ficou evidente.
- Desculpem o atraso. O taxi não entendeu muito bem minhas palavras e tive que repetir o endereço algumas vezes.
- A fabricante tem que treinar esse sistema de processamento de linguagem natural com mais idiomas e sotaques - Disse o homem. - Filha, espere um pouco que preciso falar com sua babá um instante.
- Babá? - Ela riu. - A bolsa de doutorado não é alta, mas ainda não preciso fazer trabalho paralelo.
Ele saiu em direção ao escritório. - Isso tem que ficar somente entre a gente, tudo bem? - Disse.
- Claro, minha boca é um túmulo - Ainda estava descontraída - Então finalmente irei descobrir o que a maior mente da IA faz nas horas vagas?
Ele não respondeu. Após apertar um botão escondido embaixo da escrivaninha, a estante de livros se mexeu para um lado, revelando uma porta.
- Que clichê - Ela pensou, mas não disse nada.
A porta era pequena a ponto de apenas uma pessoa conseguir passar por vez, e ele seguiu, logo após ela. O ambiente era escuro, mas logo se iluminou à um comando de voz. A mulher foi pega de surpresa.
- Robôs não são novidade pra ninguém, mas o que raios é isso?
A "criatura" estava em um canto da sala, conectada em vários cabos e computadores. Tinha uma espécie de corpo retângular, pequenas rodas no lugar das pernas, e braços longos. O rosto, se é possível chamar assim, era triangular.
- Projetei visando a utilidade, não a aparência humana. Com essas rodas e braços, ele vai ser capaz de ajudar minha filha da melhor maneira.
- Sei que você é alguém ocupado, mas deixar sua filha aos cuidados "disso" ?
- Estou morrendo, Ekaterina - o rosto não se mexeu.
O semblante alegre no rosto dela mudou em uma velocidade impressionante.
- O acidente que tirou minha esposa de mim e os movimentos da Lua também me afetou. Depois de tantas dores na cabeça, resolvi procurar um profissional e ele me deu alguns meses de vida. Algo relacionado ao meu crânio. Não prestei muita atenção após a palavra "morrer".
- Então esse é seu plano? Porque não leva ela pra morar com algum parente?
- Os avós mal podem cuidar de si mesmos, quanto mais de uma garotinha. A máquina não foi minha primeira, nem segunda opção, mas a melhor, depois de muito refletir.
- Entendo. Consigo de fazer mudar de ideia?
- Não. Apenas cuide dela enquanto visito a Dra. Ekea.
- O quê? Tá falando sério.
- Por incrível que pareça, sim.
- Mas ninguém pra onde ela foi após o incidente na faculdade.
Dra. Ekea era a maior especialista em Inteligência Artificial da academia. Sempre dizia que escolheu não formar uma família para poder se dedicar totalmente ao assunto. Quando não estava dando aula, estava no escritório trabalhando em seu projeto. Nunca chegou à divulgá-lo, mas boatos diziam que estava próxima de criar o primeiro robô senciência da humanidade.
Certo dia, um cheiro de fumaça muito forte foi sentido pelos alunos, e isso poucos minutos após a Dra. pegar seu carro e sair do local. Viram que o escritório dela estava pegando fogo, chamaram os bombeiros, porém Ekea não foi mais vista.
- Gastei uma pequena fortuna pra um hacker, e hoje de manhã recebi o retorno do investimento.
- É muito longe daqui?
- Não posso te falar, sabe disso. Mas irei demorar apenas algumas horas.
Ele gostava de dirigir, e quase se perdeu algumas vezes até chegar a localização da casa que procurava. Era um local bem remoto, onde nenhum filho de Deus iria querer morar por vontade própria.
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Akudama
Science FictionUm pai desesperado quer apenas cuidar da filha. Talvez as máquinas sejam a última opção.