Apartamento

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Quando Letícia e Daniel chegaram ao prédio no qual morariam pelos próximos quatro anos, ficaram impressionados com o fato de ser muito perto da universidade. Em quinze minutos, dava para chegar lá a pé. Por outro lado, Daniel não gostou muito aparência do lugar.

— Esse prédio está meio acabado. E só tem três andares — reclamou, enquanto tirava a bagagem de dentro do porta-malas do táxi.

— Bem, o prédio parece ser um pouco velho, mas eu não achei ruim — ponderou Letícia, enquanto se esforçava para arrastar a mala enorme que trouxera.

— Eu estava esperando uma coisinha bem melhor. Meu pai não me contou que era dono de um prédio mais antigo que ele.

— Seu pai é o dono do prédio? — perguntou Letícia.

— É sim — confirmou Daniel. — Achei que você soubesse.

— Eu pensei que ele fosse dono de um dos apartamentos, não do prédio todo.

A família de Daniel tinha uma condição financeira muito boa. Letícia parou para pensar que, talvez por causa disso, Daniel tenha sido a criança mais mimada e mais insuportável de todos os tempos. Agora ele era um rapaz alto, de dezenove anos, com um porte atlético que desenvolvera graças à prática de todos os esportes imagináveis. Era um cara bonito, mas, para Letícia, a total falta de modéstia anulava essa qualidade.

O apartamento era no último andar e já estava mobiliado. Os dois entraram, jogaram as malas num canto e começaram a explorá-lo. Letícia achou o lugar grande o bastante e se surpreendeu ao ver que ali já tinha tudo o que eles precisavam, exceto comida e produtos de limpeza.

— Temos que fazer compras — percebeu ela.

— Pode ser amanhã? Agora que a gente chegou, tô com preguiça de sair de novo.

— Tudo bem.

A garota foi até a pequena varanda do apartamento e viu os carros em movimento na rua lá embaixo.

— Eu gosto dessa cidade. É tão bonita e organizada. Sabia que Brasília é considerada patrimônio cultural da humanidade? — comentou Letícia. — Não vejo a hora de conhecer os pontos turísticos.

— Bem, eu não. Acho essa cidade meio entediante. O único atrativo daqui são essas construções estranhas do Niemeyer que, aliás, não me interessam nenhum pouco — falou Daniel.

— Ei, e isso me lembra... — Letícia olhou para ele com curiosidade. — Por que raios você foi escolher justamente a Universidade de Brasília? Por que quis sair de São Paulo, se nem gosta daqui?

— Eu não podia continuar morando com os meus pais. Sabe, minha mãe me trata como se eu tivesse cinco anos de idade. E meu pai... ele estava doido pra eu estudar em uma universidade pública, de preferência longe de São Paulo.

— Por quê? — perguntou Letícia.

— Meu pai acha que eu preciso aprender a me virar sozinho, ter mais responsabilidade e blá blá blá... Ele disse que eu aprenderia muitas coisas saindo da minha zona de conforto. Como ele tinha esse apartamento aqui em Brasília, eu vim pra cá. Fim.

Letícia gostava muito de Verônica, a mãe de Daniel. Já o pai dele era um homem rígido, excessivamente focado no trabalho e, sem dúvida, apegado ao dinheiro. Ele pressionava Daniel demais e isso a incomodava, por algum motivo.

— As aulas começam depois de amanhã — lembrou Daniel. — Animada?

— Para estudar e para conhecer a universidade, com certeza. Para participar de trote? Nem tanto. Vou dedicar a minha primeira semana a fugir de pessoas que queiram jogar tinta em mim.

— Ah, mas aí você perde a diversão — comentou Daniel.

— Claro, porque não há nada mais divertido do que passar horas tentando tirar cascas de ovo do cabelo — ela respondeu, sorrindo, enquanto observava a movimentação da rua lá embaixo.

Daniel riu e olhou para o braço dela, involuntariamente. Parou de sorrir assim que viu a cicatriz fixada na sua pele. Não era uma marca muito grande, mas estava lá, exposta. Aquilo não vai sair nunca, pensou Daniel. Aquela pequena cicatriz estaria sempre lá, obrigando-o a se lembrar de que Letícia tinha todos os motivos do mundo para odiá-lo.

Sob o Mesmo TetoOnde histórias criam vida. Descubra agora