H era uma das enfermeiras mais importantes do hospital Robert Walter - uma dedicada enfermeira, reconhecida pelos seus últimos quatro títulos de melhor profissional de enfermagem do ano (destaque para o terceiro, no ano passado, depois de ter salvado o renomado médico Izaac Gutemberg e ser aplaudida de pé por todo o hospital. Além disso, tão semelhante aos fios de água, que se desapegavam dos riachos e se entranhavam nas ervas daninhas do campo, era a sua voz, de uma musicalidade suave e gostosa, quando se ouvia a sua prosa excepcional. Com os mais novos, os auxiliares, tratava-os como uma leoa carinhosa, uma líder de esplêndidas escolhas. Nas horas de emergência, diante do caos clínico perpetuado por um moribundo em parada cardiorrespiratória, H conduzia-os sempre apurada do caso, atenta e precisa. Quando viu os leitos de dois pacientes vazios, chorou no carro copiosamente. Rebeca e Samuel haviam resistido por cento e vinte dias, lutando contra um câncer severo.

Apesar da alta tensão das salas de cirurgia, H estava sempre de bom humor, alegre e tratava os pacientes com gentileza. Tinha também uma expressão cândida e um olhar meigo.

Os dias de uma enfermeira plantonista eram longos e intensos - passavam desajustados com o andamento habitual do horário comercial. Enquanto a cidade toda ia dormir, H atravessava a cidade para começar mais uma noite de trabalho. Deixava o hospital com as pálpebras pesadas, os olhos ardendo, bocejando, e se jogava dentro do carro na manhã seguinte, como se fosse um pacote de viagem voltando para casa, observando a cidade acordar com olhares preguiçosos.

No último sábado, H viveu um dos dias mais longos de sua vida. Enfrentou a noite e a madrugada inteira de plantão. Amanheceu exausta e foi direto para o curso de especialização. A mente havia silenciado como se fosse uma televisão desligada. Assistiu às aulas lutando contra o sono e os olhos entreabertos, que ardiam encarando o quadro. As vozes eram tumultos sonoros, ondas simultâneas que se misturavam num efeito fantasmagórico. Voltou para o carro antes de se despedir. Deixou para trás as amigas, os textos, os professores e o plantão. E lhe restavam apenas alguns míseros quilômetros de estrada até a porta de sua casa.

H entrou pela garagem, desceu do carro e tomou um banho tão rápido que, na manhã seguinte, nem conseguia se lembrar da água gelada descendo em seu corpo e de como se vestiu. Ela dormiu, roncou e sonhou cenas alegres com seu melhor amigo, tramas proibidas que nunca deixariam o mundo dos sonhos para pincelar a realidade, desejos íntimos que permaneceriam em suas memórias. Abraçou o travesseiro como se fosse uma nuvem e se encolheu na cama quente sentindo-se no paraíso. Arfou aliviada e nem se lembrava que à noite sairia de casa para enfrentar mais uma madrugada de plantão.

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