Enquanto o vapor do café se mistura ao ar, meus olhos seguem as sombras projetadas na cortina, desenhando formas que dançam conforme a brisa suave que entra pela janela. É engraçado como a luz do sol sempre parece mais quente nas manhãs em que me perco em pensamentos. Eu costumava achar que mudar meu estilo, trocar de roupa, de cor de cabelo ou até mesmo de perfume, me ajudaria a apagar as lembranças de Lucca. Como se eu pudesse, de alguma forma, mudar de pele para fugir do que ficou para trás.Mas agora, enquanto a xícara aquece minhas mãos, percebo que talvez eu tenha confundido recomeçar com fugir. Lucca não é mais a pessoa que define meus passos ou minhas escolhas. Ao mesmo tempo, sinto que ainda estou em busca de algo que me faça sentir segura, que me dê coragem para abrir espaço para novas cores em minha vida.
A verdade é que, por mais que eu queira virar a página, ainda me vejo refazendo capítulos antigos, mudando meus gostos como se isso fosse suficiente para afastar as memórias. Preciso parar de correr em círculos, de ser levada pelas marés de lembranças toda vez que a vida me dá um instante de silêncio.
Dou um gole no café,deixando o seu gosto amargo despertar meus sentidos.Pode levar um tempo para que eu me sinta completa comigo mesma.
Respiro fundo, tentando deixar que o calor do café alcance não só minhas mãos, mas também o aperto no peito. Sei que preciso parar de olhar para o passado como se ele ainda tivesse poder sobre o que sou agora. Lucca foi um capítulo difícil, mas não deve ser o fim do livro. Preciso me lembrar disso.
Voltar ao meu cabelo natural é como despir uma versão de mim mesma que construí para me proteger. Trocar as cores foi uma maneira de me esconder, de criar novas versões de quem eu era, como se pudesse deixar para trás o que me machucou. Mas agora percebo que não posso continuar tentando apagar as marcas com novas camadas de tinta.
Ainda assim, sei que não estou pronta para deixar essa armadura cair completamente. Só vou aceitar essa transição quando encontrar alguém que não me faça duvidar, que me mostre que existe algo além dos fantasmas que criei. Não é sobre a cor do cabelo, mas sobre sentir que posso ser quem sou, sem medo de ser insuficiente, sem a necessidade de me camuflar a cada nova história.
A cada gole, vou soltando um pouco do peso que carrego. Penso em como seria encontrar alguém que, ao invés de tentar mudar minhas inseguranças, as acolhesse. Alguém que visse em mim não só as partes boas, mas também as feridas, sem tentar consertá-las, mas simplesmente estando lá, oferecendo um espaço seguro. Alguém que me desse a confiança de que eu não preciso me transformar para ser amada, mas apenas continuar sendo verdadeira comigo mesma.
É estranho perceber como, por tanto tempo, eu procurei mudanças externas para lidar com as tempestades internas. Por que eu tinha tanto medo de encarar minhas próprias cicatrizes? Talvez fosse mais fácil me perder em quem eu estava tentando ser do que enfrentar quem eu realmente era. Mas estou cansada de me esconder atrás dessas cores e estilos que não dizem nada sobre o que sinto por dentro.
Hoje, ao ver o sol atravessar a cortina, me dou conta de que tudo é passageiro. As sombras mudam, as cores se dissipam, e o que resta é o que há de mais sólido e real. Não vou mais me forçar a ser outra pessoa por medo de não ser suficiente.
Termino o café, sentindo o amargo persistir na boca, mas agora ele tem um gosto diferente. É um gosto que me lembra que ainda estou aqui, mesmo depois de tudo. E que mereço algo mais que um passado mal resolvido ou que mudanças superficiais para me fazer esquecer. Mereço algo que me faça acreditar, com toda a certeza, que eu posso ser eu mesma—inteira, vulnerável, e suficiente.
Coloco a xícara na pia, e me permito um último pensamento: quando eu estiver pronta para deixar meu cabelo natural voltar, será o sinal de que encontrei algo mais verdadeiro. Alguém que olhe para mim sem querer me mudar, alguém que veja todas as versões de mim e escolha ficar, sem hesitação. Até lá, vou me concentrar em ser essa pessoa para mim mesma.
Até agora, vivi correndo atrás de um ideal que achava ser necessário para ser amada, mas estou começando a entender que isso só me afastou de mim mesma.
Ao me afastar da pia, um silêncio confortável toma conta da sala. É como se a casa tivesse se acalmado junto comigo. Sempre fui boa em preencher os vazios com barulhos—música, conversas, qualquer coisa que impedisse minha mente de confrontar o que estava se acumulando por dentro. Mas agora, escolho não fugir desse silêncio. Deixo ele me envolver, tentando encontrar paz ao invés de inquietação.
Respiro fundo, e sinto uma leveza que há muito tempo não sentia. Como se, ao parar de correr atrás de algo que nem sei ao certo o que é, eu pudesse finalmente descansar. Não sei quanto tempo vai levar até eu realmente me sentir pronta, mas pela primeira vez, não tenho pressa. Entendi que me aceitar é um processo, não uma corrida. E que amar quem eu sou, com todas as minhas falhas e inseguranças, é o primeiro passo para me libertar do peso de tentar ser perfeita.
Dou uma última olhada ao redor da sala, e ao invés de ver apenas lembranças antigas e fragmentos de quem eu fui, começo a enxergar possibilidades. Pequenas mudanças que posso fazer não para me esconder, mas para me descobrir. Não sei o que o futuro reserva, mas sei que, por mais incerto que pareça, estou disposta a me abrir para ele.Caminho até a janela, abro-a e deixo o vento entrar, sentindo o frescor da manhã tocar meu rosto. Fecho os olhos por um instante, respirando fundo, e faço uma promessa a mim mesma: de que vou aceitar meus tempos, minhas falhas e minhas incertezas, sem me cobrar demais.
Porque a vida é sobre isso, não é? Achar o próprio ritmo, aprender a confiar em si mesma e, eventualmente, encontrar alguém que não traga certezas, mas que se permita caminhar ao meu lado, no mesmo compasso.
Todos precisamos de mudanças, mas pela primeira vez sinto que elas não precisam ser bruscas, forçadas ou impulsivas. Algumas mudanças acontecem de dentro para fora, silenciosas, como um despertar lento. E foi assim que percebi meus sentimentos por Erick—não como um impacto repentino, mas como uma luz que foi crescendo aos poucos, aquecendo o que antes era frio e cauteloso em mim.
Admitir isso para mim mesma não foi fácil. Passei tanto tempo negando, tentando racionalizar cada gesto, cada olhar que ele me lançava, achando que se eu mantivesse a barreira erguida, estaria segura. Mas a verdade é que, ao tentar afastar o risco, acabei afastando as possibilidades de algo novo, algo que poderia ser bom.
Agora, ao aceitar o que sinto, percebo que isso não significa que preciso agir imediatamente, nem criar expectativas irreais sobre o futuro. Aceitar meus sentimentos por Erick é um passo importante, mas também sei que é apenas uma parte de algo maior. Uma parte de aprender a lidar com o que está fora do meu controle.
Ainda há medo em mim, e talvez sempre haja. Medo de me machucar, medo de perder a amizade que nos trouxe até aqui. Mas pela primeira vez, estou disposta a aceitar que sentir não é um erro, que amar alguém não precisa ser sinônimo de sofrimento ou arrependimento.
Se não der certo, se Erick não sentir o mesmo ou se nossos caminhos não se cruzarem da forma que imagino, tudo bem. Isso não diminuirá o valor do que construímos até agora. Não invalidará o carinho genuíno que existe entre nós. E, acima de tudo, não será o fim de quem sou ou do que desejo ser.
Finalmente entendi que meus sentimentos não precisam me definir nem me aprisionar. Eles podem existir sem pressão, sem uma urgência de resposta. Amar alguém não é uma sentença; é apenas um pedaço de uma vida maior, mais ampla e cheia de possibilidades. E se Erick não for parte desse futuro, então ele será uma parte bonita do presente que compartilho com alguém que sempre será importante para mim, independentemente do rumo que nossa história tome.
Continuo de pé em frente á janela, olhando o vento que passa pelas árvores lá fora, e sinto que estou pronta para o que quer que venha. Seja o amor ou a amizade, seja a certeza ou a dúvida, estou pronta para acolher o que a vida trouxer, sem medo de errar, sem medo de tentar.
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O despertar do amor
RomanceDesde a infância, Ayla e Erick mantiveram uma amizade marcada por travessuras e implicâncias. Quando tinham 18 anos, um vínculo especial surgiu entre eles, mas, ocupados com questões pessoais, nunca perceberam a profundidade dos sentimentos que comp...