Primeiro atrito

4 3 1
                                    

Emily engoliu em seco. 

Eu não devia ter dito que o cabelo dela era legal, pensou. Qual o meu problema? O rosto foi tomaso por um rubor, devido à forma rude com que Victória falava. Quando viera para São Paulo, não imaginara que encontraria tamanha rejeição. Na verdade, esperara que a menina fosse ao menos educada. Agora, Emily não sabia onde enfiar a cara. 

Jesus, me ajuda. 

 — Por que ela não pode ficar num hotel? — Victória perguntou, num resmungo. 

Monique suspirou.

— Não seria educado se ela fosse pra um hotel. Emily é da família. 

Victória cruzou os braços e apoiou o peso do corpo numa perna só, em um gesto desleixado.

— E que culpa eu tenho? 

Emily pigarreou. Cansou-se da mini discussão entre a tia e a prima. 

— Gente, eu posso dormir na sala. — Desejava incomodar o mínimo possível. 

— Nem pensar, Emily — Monique disse, a voz firme. 

Victória grunhiu e revirou os olhos. Saiu batendo o pé, subindo as escadas correndo. 

Emily sentiu os olhos encherem de lágrimas e piscou para afastá-las. Ninguém nunca reagira dessa forma com ela. As pessoas costumavam ser mais receptivas. Talvez, tudo fosse diferente em São Paulo, considerando que quase fora empurrada pelas pessoas na rodoviária, só porque elas estavam com pressa e ela mal sabia para que lado ir. 

— Tia, tem certeza que posso ficar no quarto dela? Victória parece tão chateada. 

Monique foi até a geladeira e pegou vários potes com comida do dia anterior. 

— Você se importa de comer comida requentada? Temos esse costume por aqui — comentou.

— Não, por mim tudo bem. — Ela se aproximou da pia. — Quer ajuda? 

Monique deu um sorriso leve, meio debochado.

— É só colocar a comida no microondas. Por que não se senta? Ou você pode ver alguma coisa na TV, na sala. 

— Prefiro ficar aqui. 

 A tia suspirou. 

— Sua prima está insuportável desde que o pai morreu — disse, retomando o assunto anterior. — Começou a fazer terapia ano passado, mas desistiu. Bateu o pé que não queria mais ir e eu não tive o que fazer. 

Emily apertou os lábios. Pouco sabia sobre a morte de Joaquim, mas lembrava do choque que sentira ao receber a notícia. Sempre gostara do homem, achava-o espirituoso, engraçado e paciente. Lembrava de todas as vezes que o tio se fizera presente em sua vida, na infância, quando seu próprio pai parecia nem fazer muita questão dela. Todas as saídas para o parque de diversões, o clube aquático e o cinema. Joaquim fora como um pai para ela, mostrando-lhe o mundo e sempre levando alegria para sua vida. 

Quando ambas estavam na mesa, Monique gritou para Victória descer umas quatro vezes, porém não obteve respostas. Emily tocou na mão da tia e se ofereceu para chamar a prima. Monique recusou e elas começaram a colocar suas comidas no prato. 

Emily recheou seu prato de salada de repolho, tomates e brócolis, além de um pedaço pequeno de carne e uma colher grande de arroz. Depois, colocou suco de beterraba em um copo e deu um gole. Estava gelado e docinho, do jeito que a garota gostava. 

— Como está sua mãe? — Monique perguntou, mexendo em sua comida.

Emily arregalou um pouco os olhos, mas a tia não percebeu. Não esperava pela pergunta. 

A VilãOnde histórias criam vida. Descubra agora