Há beleza em tudo, isso eu, como narrador, posso garantir. E tal argumento vem da relatividade do assunto. O que é bonito aos olhos de uma jovem com uma visão maior do mundo, pode não ser para um senhor conservador, que quase não teve a chance de conhecer novas realidades e pessoas fora de sua bolha social.
Seguindo essa linha de raciocínio, era até óbvio que Silviane receberia olhares estranhos das pessoas daquele local. Seu corte de cabelo indo contra o que os antigos exigiam de uma mulher, as roupas de um estilo que era – aos olhos deles – esquisitos e sem sentido, a forma como agia como autonomia, comprando o que queria, falando e se portando sem receios de julgamentos.
Perdemos muito da vida quando somos podados por um movimento imposto a nós mesmos e, após longos anos de análise, Silviane sabia quem ela era exatamente. Devido aos altos e baixos de seu passado, buscava agora uma forma de reaver o que perdeu. Ou melhor, o que deixou de conquistar.
A autonomia financeira era uma delas, já que passou anos de sua vida desperdiçando o seu precioso tempo e dinheiro, em relações vazias, que sempre terminaram de forma trágica. Aquela viagem, planejada para ela quase em cima da hora, foi uma forma de espairecer.
Sua terapeuta falou da importância de sair da rotina corrida e maçante no qual vivia, então estava sim animada com os poucos dias que passaria em Aurora Celestina.
— Aqui tem uma variedade muito grande de revistas. Fora que é bonito também.
Silviane ainda olhava a bancada pequena próximo do caixa. Um senhor baixinho e magro, tendo aproximadamente uns setenta anos, era quem atendia a jovem. Não era tão comunicativo, fora a expressão abatida de quem certamente passou a vida trabalhando.
— Obrigado.
Não tirava os olhos dela. Ou seria da saia curta que usava? Um jeans desbotado, trazendo uma combinação diferenciada para aquele senhor. Saia com meia calça? Ele já havia visto, mas uma meia calça resistente e laços brancos? Não, aos olhos dele, não era bonito, muito menos normal a estética kawaii. O dono do estabelecimento não sabia nomear aquele estilo de vestimenta, por isso a estranheza em seu olhar, enquanto a via caminhando.
— Esses aqui estão mesmo em promoção?
Apontou para a bancada de onde não tirou os olhos. Os nomes que mais conhecia eram, obviamente, Maurício de Souza e Ziraldo. Geralmente buscava ler mangás de todos os tipos, então aproveitou a situação para sair do mesmo.
— Sim.
Ele não era de muitas palavras e isso deixava Silviane incomodada. Queria ao menos um sorriso, já que isso iria melhorar a experiência da viagem e das compras que estava fazendo. Ainda não havia dado meio dia, possibilitando assim um certo tempo para avaliar o que levaria ou não daquele sebo.
— Que legal. Eu amo Turma da Mônica! Que criança não ama, não?
O senhor apenas aquiesceu, deixando-a visivelmente sem graça. Na sua cabeça não teve receio de proferir uma série de insultos. Gente ruim envelhece e agora ela compreendia que nem sempre, quando alguém da terceira idade era acometido a alguma acusação ou situação, quer dizer que ele é cem por cento vítima da coisa.
Não quis dizer mais nada e se deteve apenas em apreciar a arte das capas, assim como as sinopses e ver o que de fato levaria para casa. Alguns minutos se passaram, ela separou algumas revistas e até livros de romance com capas e qualidades questionáveis. Já até esperava pelo julgamento e brincadeira das meninas, até que sua atenção caiu sobre um livro mais a fundo, escondido no meio das revistas.
— Esse daqui está à venda? Estava embaixo dos outros…
Ergueu o livro com uma capa dura, cheia de desgastes do tempo. Havia apenas um nome, identificando o autor(a): Silva. Além disso, o título não agregava muito na obra. O nome “Mal”, que parecia ter sido feito na capa com uma faca, também fazia o livro parecer ridículo do que interessante.
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A Manifestação do Mal
HorrorA cidade de Aurora Celestina é a escolha de um grupo de amigas para sua viagem anual. De passagem pelo local, elas irão ver que, muitas das vezes, o Mal se materializa de forma humana, levando elas para um caminho sem volta.