UM.

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Eles agarraram a mesma fruta, dentre muitas, ao mesmo tempo, com a mão direita.

Os dedos se esbarraram como quem tropeça nos próprios pés, assim, de repente, sacudindo o coração antes da reação de colocar os braços para frente. Nenhum dos dois puderam evitar. Os olhares se encontraram em uma fração de segundos que, para Diego, duraram quase uma eternidade. Ele o reconheceu imediatamente. Foi como se o tempo não tivesse passado. Era como se Amaury tivesse parado no tempo e, na infinitude daqueles anos, a única coisa que tivesse surgido para distingui-lo do jovem e astuto Amaury de quinze anos era aquela barba imensa e cheia, que combinava bem com o novo corpo e a altura – esses sim, completamente diferentes do que se recordava.

– Amaury?

Amaury demorou um pouco mais para reconhecê-lo. Apertou os olhos na esperança de que o encontrasse na nitidez forçada, abrindo um sorriso maior que o peito ao lembrar-se de quando os dois corriam pelo orfanato, abraçando-o com todos os dentes. Era Diego. Não tinha como não ser Diego. O mesmo olhar, as mesmas sardas, as mesmas covinhas acesas no meio da cara, buzinando no meio de todas as avenidas.

Diego sorriu de volta e os dois largaram a tangerina na cesta. Ele foi o primeiro a estender os braços, abraçando-o. Com força. Tomando aquele impulso breve que o ergueu no chão a uma altura suficiente para envolver Amaury com seus braços curtos, inspirando o que ele achou ser uma mistura forte de perfume, sabonete, pele e saudade.

Muita saudade.

Amaury o abraçou e o ergueu com tanta força que quase tropeçou para trás. O riso dos dois ecoou pelos corredores do mercado com tanta vontade que atraiu alguns olhares antes dispersos nas filas. Uma mistura que há muito tempo não ouvia. "Fala sério, não pode ser!" A incredulidade na sua voz reverberou e ricocheteou entre as maçãs, melões e tangerinas, forçando-o a girar Diego no ar e largar a sacola no chão porque os dedos precisavam mesmo tocá-lo.

Precisava fundir o presente com o passado, de tal maneira que as mãos imensas tocavam as costas do ruivo quase cobrindo ele inteiro, afundando os dedos sem medir a força realmente. Quando colocou-o no chão, enfim, os olhos não sabiam fazer outra coisa além de engoli-lo. Era quase ridículo, no bom sentido. Não o abraço, não os suspiros, mas a boca de trinta e dois dentes malmente alinhados que recusava a se fechar.

Ele segurou o rosto de Diego com muita ternura, tateando a própria memória, marcando os polegares nas bochechas como se já tivesse tentado isso antes – e se frustrado, fortemente, com a constatação fria da realidade. Foram quase dezesseis anos sem vê-lo. A sensação era conhecida e desconhecida ao mesmo tempo. Como se ele fosse um lugar que costumava visitar todos os dias e que, depois de tanto tempo longe, precisasse reconhecê-lo. Memorizá-lo de novo. Gravar cada partezinha dele nas paredes do seu hipocampo, ainda que nenhuma das lembranças que possuía tivessem ido embora.

– Como você- Como isso? O que é isso?! – ele se perguntava e perguntava a ele, afoito.

– Como assim você! – Diego tentava formular qualquer frase.

– Meu Deus. Como isso aconteceu?

Nenhum dos dois estava empenhado em formular sentenças realmente coerentes.

– Desde quando?

Amaury precisou de uns segundinhos para respirar.

– Depois que saí do LPS, me mudei pra fora do Brasil. – iniciou, claramente empolgado – E não consegui mais qualquer contato com ninguém daqui e- Eu bem que- Não importa agora. Eu não tô nem respirando!

– Eu não sei nem o que pensar.

Eles não paravam de sorrir. E algumas das maçãs que Amaury deixou cair rolaram para debaixo do compartimento das frutas.

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⏰ Última atualização: Oct 27 ⏰

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