Germano

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Três luzes se misturavam no firmamento enquanto os pássaros brancos da noite rodopiavam com o seu corpo alongado e as asas de ferro. Tão úmida a madrugada tomava a Terra, molhada, preenchida pela neblina. O único homem que testemunhava aquele objeto estranho chamava-se Germano Carmelo.

Germano era um homem de estatura média, grossos bigodes e cabelos longos. Tinha o comportamento mais reservado, falava pouco, também não havia ninguém com quem compartilhar todo o seu conhecimento filosófico, político e as teorias de astronomia. Nos últimos dias, sonhara com um objeto maciço sobrevoando o quintal de sua casa e três luzes projetando-se em direção à janela do seu quarto. Eram fachos de luz vermelho, amarelo e verde.

Tão calmo acordou Germano, na manhã de segunda-feira, que demorou a se levantar. Quiçá estivesse acometido pela preguiça. Acendeu a luz do quarto escuro para encontrar a porta e depois apagou. Ele não adoecia, não sentia dor ou tristeza, a alegria vinha uma vez ou outra. Estava sempre sereno, com poucas expressões.

Quando saiu do banheiro, paralisou olhando para a televisão. Depois de alguns segundos encarando-a, resolveu ligá-la. Os dedos grossos e calejados pressionaram o botão. A máquina do tempo do homem contemporâneo, como gostava de dizer ele, transmitia o jornal local. Na entrevista, uma senhora falava sobre o aumento de violência em seu bairro e repetiu três vezes a frase "fim dos tempos".

Não que se importasse, talvez fosse verdade... quem deveras se importava com o fim dos tempos, sobrevivendo num mundo acelerado e cheio de informações? Restava ao humano contemporâneo fazer sem pensar, exercer sem reclamar, o tempo passava numa velocidade absurda e as existências definhavam no trem descarrilhado da vida. Mas os presságios se tornavam cada vez mais frequentes, a vizinhança não dizia outra coisa além do futuro arrebatamento, Germano nem saía mais de casa. Quanta loucura, pensava ele, será que estou eu ficando louco também?

Germano gostava de fazer longas caminhadas pela Avenida Dez, em horários com pouco movimento. Quase não passava civil ou carros nas segundas-feiras às cinco da manhã. Depois voltava para casa, tomava banho, alimentava-se e assistia vídeos conspiratórios até adormecer. A tarde passava e a noite chegava. Ele dava comida para os doze cães que adotou da rua e voltava para suas leituras ufológicas.

Quando adormeceu no sofá com a revista de ufologia aberta no peito, três luzes surgiram no alto de sua casa. A iluminação estranha invadiu a sala e clareou os seus olhos, forçando-os a abrir.

Donde vem estas luzes que abrilhantam minha escuridão onírica, tão relaxante, no meio de uma noite calma?

Ele se levantou com a mão no rosto contra a luz forte, formando uma sombra, e caminhou até o quintal. No alto do firmamento, em baixo das nuvens, onde o mar escuro da noite cobria as estrelas e a lua minguante, uma nave de três pontas pairava apontando os fachos de luz para a terra do quintal. Os cães latiam furiosamente. Germano franziu a testa assustado e uma nova luz prateada cobriu o seu corpo.

Uma voz sussurrou para ele:

Somos os últimos, dos lugares distantes. São os últimos anos da humanidade, sobreviventes serão apenas os Diamantes.

A luz foi recolhida para dentro da nave. Os olhos de Germano haviam embranquecido, depois voltaram ao normal.

A nave não estava mais entre as nuvens. Era apenas o firmamento e um corte de luz lunar. Germano sentiu uma vertigem e tombou.

Os cachorros latim enlouquecidos.

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