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Laís narrando

Existem alguns dias em que acordamos e apenas em olhar para fora da janela já nos faz sentir uma sensação boa. Pode-se dizer que o simples fato da luz solar atravessar as persianas transmite uma mensagem que o dia será positivo.

Esse era o pressentimento que estava sentindo. De que a partir do momento em que eu levantasse da cama coisas boas poderiam vir acontecer.

Não demorou para que a cabeça de mamãe aparecesse entre o vão da porta do meu quarto que estava aberto. Seus olhos percorreram o cômodo inteiro e voltaram a encontrar os meus.

— Bom dia querida. — Saudou sorridente. — Eu e seu pais estamos saindo, o que gostaria que trouxéssemos para o almoço?

— Bom dia mãe. — Respondi com a voz arrastada por conta do sono. — O que estiver disponível, para mim estará ótimo.

Havia algo que me incomodava em minha família: eu era filha única. Quer dizer, talvez não fosse apenas isso que me incomodava, mas principalmente o fato de estar sempre sozinha. Meus pais passavam a maior parte do tempo fora de casa, ou seja, restava ficar em casa apenas com a companhia de Margott que trabalhava conosco há algum tempo, porém, passava seu tempo com os afazeres de casa.

A mesa estava repleta de alimentos como de costume. Não entendia muito bem a necessidade de tantas opções se éramos apenas em quatro dentro de casa, contando com Margott.

— Senhorita Laís? — Ela chamou a minha atenção enquanto me alimentava. — Poderia me avisar assim que terminar seu café?

— Nós já conversamos sobre o "senhorita", Laís está bom para mim. — Expliquei.

Cada vez que ela me chamava de senhorita era como se algo dentro de mim despertasse. Não gostava de toda essa formalidade, apesar de que isso venha acontecendo desde que ela começara trabalhar aqui.

— Desculpe-me. — Desculpou-se envergonhada. — É costume.

Sorri em resposta e continuei a olhá-la trabalhar. Ela estava terminando de limpar a pequena coifa que havia na nossa cozinha. Seu olhar transmitia que algo não estava certo.

Nós nunca fomos próximas. Na realidade, o intuito de meus pais nunca fora que ficássemos próximos das pessoas que de alguma forma trabalhavam para a nossa família. Papai costumava dizer que era uma maneira de proteger a família.

Mas eu não estava gostando do seu olhar. Havia algo triste ali que me incomodava.

— Margott? — A chamei. — Está tudo bem? — Perguntei preocupada.

Margott parou o que estava fazendo e me olhou um pouco sem jeito, como se estivesse com vergonha de me contar.

— Não é nada que precise se preocupar Laís. — Respondeu educadamente.

— Essa sua feição não me engana. — Afirmei. — Por favor, fale o que está a incomodando?

Ela olhou para os lados como se estivesse observando se alguém escutava nossa conversa, apesar de estarmos apenas nós duas sozinhas naquela casa. Aproximou-se calmamente e sentou-se na cadeira ao meu lado.

— Tudo bem. — Falou soltando o ar que estava preso. — Apesar de receber um bom salário trabalhando para vocês, está ficando cada vez mais difícil sustentar minha casa. Moro de aluguel e crio meus dois filhos. Você sabe, as roupas param de servir com o tempo, preciso me preocupar com comida, aluguel, roupas, calçados...

A essa altura lágrimas já percorriam suas bochechas, deixando-me com o coração partido. Via pessoas passarem por essas situações a todo momento, mas não conseguia imaginar que ela estava passando por tudo isso calada.

O que é que tem? (DEGUSTAÇAO)Onde histórias criam vida. Descubra agora