18h30. Era quase hora de ir embora e lá estava eu tentava esboçar qualquer coisa que fosse no papel, mas nada vinha à minha mente. Sentia-me vazio e, esporadicamente, me perguntava se voltaria a ter grandes ideias de roteiros para peças de teatro. Será que nasci para isso ou foi só um sonho fugidio? E se eu já começasse escrevendo novelas ou séries? Talvez fosse só um cansaço momentâneo. A fome de alcançar aquilo que ainda não se tem é exaustiva. Eu tenho anseios que se transformam em constantes vazios, talvez com mais intensidade nos últimos dias.
Era como se eu estivesse me tornando apenas um corpo sem ter o que dizer ou o que pensar. A única coisa que me vinha à mente era Renato, para ser bem sincero. Mal podia esperar para vê-lo novamente. Assim, teria a possibilidade de focar em sua pele, sua barba por fazer, suas roupas descompromissadas, seu jeito incisivo de andar e sua forma de me causar medo ao passo que me transmite uma paz nunca vivenciada antes.
Junto à caneta, coloquei a folha de papel no braço do sofá, que estava ao lado da cadeira de rodas de Seu Antônio, e me debrucei no chão gelado da sala. Só queria pensar em qualquer outra coisa. Na minha futura irmã, talvez. Na possibilidade de morar com a Cecília quando saísse da casa de meus pais. Qualquer coisa. Mas Seu Antônio cumpriu o encargo que não esperava que estivesse designado a ele. Escutei-o amassar a folha vazia de pseudorroteiros e jogar em minha direção.
"Ritual e sangue", escrito bem no centro do papel. Levantei-me de forma abrupta e, sem paciência, pressionei a cabeça de Seu Antônio. Não sei por qual motivo eu reagi daquela maneira. Só sei que aconteceu.
— O que você está querendo me falar? Para quê todo esse enigma? Você está parecendo amedrontado, ansioso. Tem motivo para isso? Na verdade, só me responda uma coisa: você está com medo de algo?
Seu Antônio acenou com a cabeça. Pela primeira vez, eu sabia que ele estava entendendo tudo o que eu estava falando.
— Medo de alguém?
Novamente, acenou com a cabeça.
— Está com medo de mim? Eu te deixo amedrontado por algum motivo?
Seu Antônio não esboçou nenhuma reação.
— E o que é, então?
Com um certo esforço, Seu Antônio moveu lentamente a mão no ar. Era uma coreografia. A coreografia que antecedia o grand finale do espetáculo. De punho fechado, apenas preocupou-se em desatinar o dedo indicador para fora. Ele estava apontando para algo ou, no caso, alguém. Era Renato, que acabara de chegar no apartamento sem que eu ao menos notasse, e estava encostado na parede do corredor. Saiu de onde estava apenas para amassar o papel e colocá-lo em seu bolso.
— O tempo maltrata o corpo, mas ninguém dá muita atenção aos efeitos causados na mente. O tique-taque nervoso é cruel e nunca teve amigos próximos. Ele corrompe, aniquila, transmuta no ar e cruza na superfície de qualquer ser que respira. Queria eu que os corpos fossem guardados em máscaras de proteção, fugindo dos danos que a idade naturalmente vem a causar. Imagina carregar anos de sabedoria dentro de um corpo jovem, sadio e pronto para redescobrir o mundo? Já pensou?
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Relógio de Sangue
Misterio / SuspensoMiguel, prestes a concluir o ensino médio, é induzido a passar suas férias de verão como cuidador de Seu Antônio, tio idoso e debilitado do melhor amigo de seu pai, Renato. O trabalho, oferecido como um caminho para sua independência financeira, não...