Por que Deus permite certas coisas em nossas vidas?, questionava-se Emily, a caminho da escola, na segunda-feira. Mais uma vez, deixou Victória ir sozinha na frente e foi depois. De onde estava, podia ver a figura desengonçada da prima, do tamanho de uma miniatura.
Não conseguia esquecer os últimos acontecimentos. As palavras de Victória contra Jesus, seu surto recente com a tesoura, toda a briga com Monique depois e ainda seus pesadelos, que nunca deram trégua.
Apesar da longa conversa que tivera com a mãe no dia anterior e do culto maravilhoso na igreja nova, ainda se sentia profundamente incomodada com tudo o que aconteceu. Vivia repetindo para si mesma que não estava em São Paulo para arrumar confusão, porém era tudo o que tinha feito. Em que momento fora eficaz em suas tentativas de se aproximar da prima? Causara brigas, crises de ciúmes, separações…
Emily só queria um espaço na vida da menina. Era desejar muito? Orara tanto na noite anterior. Praticamente implorara para Deus lhe dar um Norte e tirar o sentimento de tristeza profunda de seu coração. Sempre tivera uma autoestima tão boa! Mas São Paulo parecia minar cada vez mais sua autoconfiança. Não era sobre aparência. Emily sempre soube que era linda. O problema era a personalidade. De repente, começou a pensar que talvez não fosse tão boa pessoa assim. Por isso, tentou consertar algumas coisas antes de sair da casa de Monique. Dessa vez, não mexera na cama da prima e não lhe dirigira uma só palavra. Até se esforçara para passar menos tempo no banho. Não sabia que resultados suas ações trariam, mas esperava que fossem bons.
Quanto mais se aproximava da escola, mais seus pensamentos eram silenciados por causa das vozes de seus colegas, cada vez mais audíveis.
— Oi, Emily!
A menina quase pulou de susto, o coração batendo loucamente no peito. Olhou para o lado e viu Eric tentando acompanhá-la até a entrada dos portões. Emily nunca entendia como ele conseguia encontrá-la tão rapidamente no meio da multidão de alunos. Só se o rapaz tivesse olhos de águia ou bolasse alguma estratégia que não o permitisse perdê-la de vista.
— Tá, o que aconteceu? — ele perguntou, as mãos encolhidas nos bolsos.
— Por que a pergunta?
— Sei lá, você parece meio desanimada. Eu ia conversar com você sobre nosso próximo passeio, mas já não sei se é uma boa ideia. E talvez agora você não precise passear, só precise conversar, certo? — Ele coçou a cabeça enquanto falava.
Ela suspirou e, em vez de ir para sua sala, caminhou para os fundos da escola. Sentou-se no banco de concreto e Eric fez o mesmo. Por algum motivo, o local parecia o mais tranquilo para conversar e nunca havia ninguém por perto.
— Você estuda aqui faz tempo? — ela perguntou.
— Tem uns dois anos, mais ou menos. Por quê?
— Sabe me dizer como minha prima era antes de se tornar a Maligna?
— Olha, não posso te falar muita coisa. É que ela era só uma garota comum na escola, sabe? Não tinha popularidade. Eu mesmo só vi a fase dela de antes, porque ela sempre frequentou a biblioteca na hora do intervalo e eu também. Tipo, a Victória sempre sentou numa mesa de frente pra minha e lia livros enormes do Stephen King. Os cabelos dela eram maiores e castanhos, mas já tinha franja. Ah, e ela era um pouco mais magra também.
— Você tem uma ótima memória.
Eric suspirou.
— Por que perguntou sobre isso? Ela te fez mais alguma coisa?
— Ai, você acredita que ela surtou anteontem e rasgou alguns cadernos meus? E algumas peças de roupa… Foi horrível. Não tô tentando criar intrigas, mas não consigo ficar guardando as coisas só pra mim. Fiquei tão chateada.
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A Vilã
Novela JuvenilVictória tinha tudo o que uma garota poderia querer: uma péssima relação com a mãe, uma péssima reputação na escola, um amor platônico por alguém que nunca olharia para ela, uma melhor amiga que sempre a colocava para baixo e um monte de traumas. Ou...