O Massacre de Santa Clara -1933

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Era manhã de outubro, o sol filtrando-se pelas cortinas do quarto, desenhando linhas de luz sobre o piso de madeira. O cheiro do café fresco e do pão quentinho invadia o ar, vindo da cozinha. Gustavo se espreguiçou, ainda sonolento, mas a expectativa do dia o fez pular da cama. Era um dia especial, estava perto das eleições e ele deveria fazer propaganda em troca de trocados, e, embora não entendesse totalmente o significado, sentia que algo importante estava prestes a acontecer...
 Depois de um rápido café da manhã com a família, Gustavo vestiu sua camisa de uniforme, uma camiseta azul com o logo da Escola Santa Clara com o simbolo do Integralismo estampado em branco. A escola ficava a algumas quadras de sua casa, e ele adorava o caminho que fazia todos os dias pois ele sempre imaginou que o percurso era como uma pequena aventura onde fazia parkour.
Gustavo respirou fundo, sentindo o ar fresco da manhã. As árvores ao longo da rua balançavam suavemente com a brisa, e o canto dos pássaros preenchia o silêncio da cidade ainda adormecida. As casas que passava tinham fachadas simples, mas acolhedoras, com janelas de madeira e jardins pequenos, onde as flores começavam a desabrochar. As calçadas eram largas, com pedras irregulares que criavam um padrão único e familiar sob seus pés.
Finalmente, ao dobrar a esquina, avistou a Escola. O prédio, imponente e de arquitetura colonial, tinha paredes brancas e janelas grandes com marcos de madeira escura. A escola era um edifício de dois andares, com um telhado de telhas vermelhas que contrastava com o céu azul. As colunas de pedra na entrada pareciam guardiãs do conhecimento, e a escadaria larga.
Por toda parte da região poderia se avistar bandeiras as bandeiras do integralismo tremulavam ao vento, e os cartazes emolduravam a entrada, exortando a lealdade e a unidade.
À medida que Gustavo caminhava pelo corredor, ele cumprimentou alguns amigos que encontrava pelo caminho com um "anaue". O som de vozes alegres preenchia o ar, mas, por trás da animação, ele percebia um leve tremor nas palavras dos outros alunos. A conversa sobre as eleições era constante, mas muitos apenas sussurravam, como se as palavras pudessem atrair a atenção indesejada.

Ao chegar à sala de aula, Gustavo hesitou por um instante diante da porta. O quadro-negro, polido e escuro, estava preparado para receber as lições do dia. As carteiras de madeira estavam alinhadas, cada uma com uma pequena mochila pendurada na cadeira. As janelas grandes permitiam que a luz do sol entrasse, iluminando a sala com um brilho acolhedor, mas também revelando a poeira que dançava no ar.
Gustavo entrou, sentindo uma mistura de ansiedade e empolgação. Ele se sentou em sua carteira, observando os rostos de seus colegas, todos animados e curiosos. O ambiente parecia vibrar com a expectativa de um dia que prometia ser diferente, embora ele não soubesse ainda o que seria...
As conversas entre os alunos giravam em torno das eleições, e Gustavo tentava absorver os fragmentos de informações que chegavam a seus ouvidos. A professora ainda não havia chegado, e as risadas e os cochichos preenchiam o espaço. Ele se perguntava se, ao final do dia, tudo voltaria ao normal, se as eleições trariam algo bom, ou se, na verdade, algo terrível estava prestes a acontecer...
Gustavo olhou pela janela, observando o céu azul. O mundo fora daqueles muros era uma promessa, mas dentro deles, uma sombra começava a se formar, e ele não tinha ideia do que estava prestes a acontecer...

As primeiras aulas passaram como um jato para Gustavo. Naquela manhã, tudo parecia se desenrolar rapidamente. 
Na primeira aula, a professora de história comentou sobre as eleições, mas de forma breve, como se quisesse evitar o assunto. Gustavo sentiu que havia algo subentendido nas palavras dela, algo que ele não conseguia compreender completamente, mas que os adultos pareciam entender. Enquanto ela falava sobre a importância do futuro do país, Gustavo olhava pela janela, vendo o movimento ocasional de pessoas passando pela rua em direção às urnas de sua escola, alguns vestidos com roupas mais formais do que de costume.
Na quarta aula, Gustavo estava em português, e tentava copiar os exercícios do quadro. A caneta corria pelo papel, rabiscando cada palavra enquanto ele se esforçava para seguir a explicação. O ar estava fresco, e estava tudo quieto. Foi então que ouviu um tiro abafado, distante, mas inconfundível. Gustavo parou de escrever. Seu coração acelerou, e ele olhou para seu amigo Lucas, que também havia escutado. Outro som, agora mais próximo, reverberou pelo prédio da escola. Era como um trovão no meio de um dia claro, rasgando o silêncio da manhã.

As crianças começaram a trocar olhares assustados, e a professora ficou imóvel por um instante, pálida, com o olhar fixo na porta. Gustavo sentiu um frio na espinha, e todos na sala prenderam a respiração. O som de mais tiros ecoou, agora mais claro, e os gritos distantes começaram a penetrar as paredes da sala, como se fossem fantasmas de um pesadelo.
A professora deu um passo em direção à porta, mas hesitou. Ela voltou-se para a turma com uma expressão de desespero, tentando aparentar calma, mas seus olhos tremiam. "Crianças, fiquem quietas... Por favor, mantenham a calma," ela sussurrou, a voz fraca.
Gustavo engoliu em seco, sentindo uma onda de medo que o paralisava. Os sons de tiros continuavam, intercalados com gritos e barulhos de passos rápidos pelos corredores. Ele olhou para Lucas, que estava pálido, e percebeu que a segurança da sala de aula, que antes parecia tão sólida, agora parecia frágil como papel.

Ao seu redor, os colegas se encolheram, alguns abraçando as mochilas, outros olhando para a professora como se ela pudesse protegê-los.
Um som de passos pesados ecoou no corredor, e Gustavo teve a impressão de que a porta poderia abrir a qualquer momento. Ele queria correr, mas não sabia para onde. Olhando em volta, percebeu que a única coisa que podiam fazer era esperar  e torcer para que aquela manhã de pesadelo terminasse antes que o perigo os alcançasse...

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⏰ Última atualização: Nov 05 ⏰

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