O Sorriso Vermelho

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Se o Vale da Lua sangrasse

Se o fogo ardente as plantações tomasse

Ele ainda estará lá

Conjurando mortes, vagando à noite

com o seu sorriso vermelho.


Estava coberta pelo sangue que não era dela. Um corvo crocitava do lado de fora enquanto batia a cabeça na janela. Em cima da escrivaninha, uma cabeça de abóbora a encarava. No canto do quarto, ao lado da porta, a silhueta de um homem com um sorriso vermelho se escondia por trás da penumbra. Bianca arfava imóvel, assustada, até alguém beliscar o seu braço e ela acordar do pesadelo.

Nas penumbras das noites, ele aparecia; nas sombras das árvores, ele ressurgia. Estava em todos os cantos noturnos, em mundos escuros dos abismos infinitos. Bianca despertou atônita. Seus olhos protraídos encaravam a porta com as pupilas quase dilatadas. Aos poucos voltava das terras infernais dos pesadelos. Ela moveu o pescoço com cuidado e encarou sua prima.

- Era ele?

Bianca preferiu não falar. Fez apenas um aceno tímido e positivo com a cabeça. Ainda estava ofegante e queria esquecer aquele sorriso.

Do outro quarto, Jeison acordou assustado. Também teve pesadelos. Mas os fantasmas das suas alucinações eram ratos imundos. Criaturas bisonhas com olhos vermelhos e rabos longos. Ele chamava de ratos demoníacos.

Jeison levantou-se rápido da cama e saiu do quarto assustado com a tempestade. Correu direto para o quarto de sua irmã, mas não havia ninguém. A respiração encurtada aumentava o seu desespero. Subiu as escadas e chegou à porta do terceiro quarto.

- Juliana! Os ratos demoníacos...

Dois pesadelos numa única noite. Juliana observou a janela. A chuva viera de repente e inundava o barro lá fora, despencando e criando poças fundas. Os relâmpagos atormentavam a terra. Ela sabia que eles precisavam deixar a casa o mais rápido possível.

Jeison era três anos mais velho do que Juliana. Os irmãos órfãos haviam se mudado recentemente. Bianca era a única prima que eles tinham. Desde que os três começaram a morar na residência Vale da Lua, testemunharam coisas estranhas que passaram despercebidas. Embora tivessem frequentes episódios de pesadelos, as assombrações tornavam-se cada vez mais reais. Certa vez, Jeison jurou ter visto um rato demoníaco com a boca cheia de sangue pingando de seus dentes longos atrás da geladeira; Bianca via o homem com um sorriso vermelho atrás da porta sempre que apagava a luz do quarto, e depois ele desaparecia.

Juliana também teve episódios sobrenaturais nas últimas duas semanas. Mas não queria assustá-los mais do que já estavam. Sempre que passava pelo banheiro, antes de ir para o quarto dormir, via um vulto parado com luvas vermelhas no espelho do banheiro.

- Temos que ir embora agora, Juliana - disse Jeison, implorando.

Antes de Juliana respondê-lo, um ruído veio lá embaixo como se o sofá estivesse sendo arrastado; um chiado vinha da cozinha, era a televisão que estava desligada segundos atrás. As portas do quarto e do banheiro bateram. Bianca soltou um grito fino e irrompeu em lágrimas quando sentiu algo gelado tocar os seus pés. Jeison olhava para todos os cantos tentando cobrir a cabeça quando o barulho de gavetas viradas, talheres indo ao chão e pratos se espatifando em pedaços começou.

O silêncio voltou. Juliana e Jeison olharam espantados para a cama vazia, cheia de sangue, os lençóis ensopados, o vento gélido entrando pela janela aberta, provocando um assobio medonho, e o travesseiro preferido de Bianca desaparecido também.

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