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A primeira vez que nos vimos, eu e ele, eu trabalhava meio período em um bar/restaurante. Por três anos tentei entrar para a faculdade que queria e naquele ano finalmente obtive êxodo depois de tanto me dedicar. Era a minha terceira semana em uma cidade grande de verdade, a capital dos jovens classe média e descolados. Também sou classe média, porém do interior. Lembro de pensar que dos três a mesa ele era, com certeza, uma das pessoas mais bonitas que eu já tinha visto. Entretanto, não sou expressivo o suficiente para que alguém note o que estou pensando. Ele também não é. Meu namorado é difícil de ler e de entender. Era do tipo que despendia muito mais tempo nisso de ser bom do que agora. Nos conhecemos com ele sendo alguém que não tenta ser bom na minha presença, eu era o alívio, um espaço sem as velhas cobranças que assolavam com brutalidade desoladora tudo que fazia.

Enxerguei-o tentando ser agradável, dando ao melhor amigo bêbado passe livre para empurrá-lo da cadeira no meio do bar, na noite em que eu limpava as mesas. Lembro de olhá-lo com muita intensidade, como se já amasse aquele jovem há anos, quando ele sorriu em minha direção antes de dizer: "Me desculpe."

- É meu trabalho e eu gosto do meu trabalho. Tudo bem?

- Ele sempre fica bem.

Eu queria saber dele, mas acabei descobrindo o que tinha na mente: os outros.

Naquela noite, enquanto fumava lá fora, segurando as emoções tentou parecer descolado, mas fui assertivo ao notar que aquele jovem poucos anos mais velho e muito mais bonito do que eu poderia sonhar em ser ou desejar ter tinha algo de humano, aquela humanidade que intitulamos fraca para nós mesmos e admirável para terceiros, especialmente os alheios a nós de todas as formas possíveis; os desconhecidos.

Lembro de ouvir Bad Religion do Frank Ocean tocando no bar da outra calçada. Queria que aquela música se repetisse um milhão de vezes, mesmo não entendendo a língua, mesmo não tendo descoberto qual música era na hora por vergonha de perguntar e ser envergonhado pelo meu sotaque assim que os jovens descolados da cidade ouvissem.

Ansiei por passar um tempo desenhando junto ao rio de uma ponte famosa da cidade. Passar algumas horas longe do meu melhor amigo barulhento, ouvindo aquela música sem parar. Isso aconteceu, porém não como imaginei olhando a rua jovem e de luzes coloridas.

Desejei que ele voltasse, já que minha vida não havia se deparado com algo tão animador desde que nasci. Se pudesse, queria ser corajoso, não pretendia perder a oportunidade, pois tinha alguma reserva de confiança em mim mesmo.

Lembro da outra noite, semanas após a primeira, quando te ouvi chegar com os amigos e reconheci seus passos acompanhados pelos da garota linda agarrando sua pele morena como se pertencesse à ela. Não pensei ou senti qualquer coisa, pois não estava me dignando a isso, estava sonhando e esse era meu máximo. Naquela noite, você veio até mim dizendo que não tinha me encontrado em outra noite, demonstrando lembrar o meu nome de estranho. Claro que lembrei o seu.

Volto a essas lembranças quase todas as noites enquanto dorme na minha cama com os lindos olhos castanhos semi abertos, dono do meu coração.

Sim, eu ouvi sobre a ex namorada que ainda não queria ser ex, mesmo depois de cinco meses. Me deu uma segurança da qual nem sabia precisar, foi quase um salto.

Convidou-me para irmos à praia juntos e me ensinou a nadar já que fui apenas por sua causa, não porquê areia e água salgada me interessavam de algum modo. Nós dois sempre soubemos que fui por você. 

Ousei a me questionar "Será que era assim que ela te amava? Então, por que te traiu?" Também fiz uma pergunta menos intrometida em voz alta:

- Por que ser amigo dele, do cara que te empurrou da mesa e disse aquelas coisas desagradáveis a seu respeito? Ele não parece sensível o suficiente para estar perto de você.

- Por isso quero estar aqui com a sua presença. Você não me conhece por inteiro, não sabe sobre todas as partes de mim.

Acontecia nossa conversa enquanto ele andava de costas para a praia, me olhando, e eu acompanhava em passos calmos de sapatos errados para a ocasião. Minha pergunta, somente minha: "Isso é bom?" Em meus sonhos, a resposta era "Sim, é muito bom." No fim, não saberia a totalidade do significado nem mesmo se tivesse ouvido minha pergunta e respondido à altura. Mesmo assim, creio que ainda seria beijado na areia que me deixou com frio a noite inteira. Ainda dormiríamos juntos na próxima noite sem que alguém além de nos precisasse saber desses detalhes. Ainda passaria tempo demais pensando nos cabelos escuros dele e em sua pele bonita que surpreendentemente quis a minha e me deixou entrar de um jeito inesperado e até receoso, mas incrivelmente honesto e vulnerável, especial. "Eu fui especial para você?" me disse que sim e colocou outra música para tocar.

Pediu música na rádio, pois sabia que eu ouviria e me beijou na rua como se não fosse tão assustador. Subiu para o meu quarto pequeno e bebeu com meu melhor amigo, que dividia espaço comigo, enquanto eu dormia e acordava pensando interrogativo se foi um sonho. Não foi, não foi mesmo.

Sempre volto para quando encontrou a minha bad religion e me convidou para uma cafeteria que nem estava nos meus planos querer ir, me pediu em namoro e disse as coisas melosas que desejei ouvir.

Passei contente e orgulhoso pelos corredores da faculdade, usando um moletom seu que todos reconheceram pela sua fama entre pessoas jovens e descoladas. Você sempre soube disso, inclusive que encontrei o olhar desgostoso da sua ex namorada.

- Te fiz um desenho. Feliz aniversário.

"Não é meu aniversário, querido." seguido de "Sou eu?! Isso é lindo. Obrigado."

- Finalmente formado!

- Não sei se essa é uma notícia realmente boa. Vou ter que comentar novamente com a minha terapeuta.

- Seja otimista. E fale de mim por lá.

- Claro. Ela gosta de saber como as coisas estão. Como está esse alguém corajoso o suficiente para me amar.

- Te amar é fácil.

Será que você sabe o quão fácil é?

"Obrigado."

"Obrigado."

"Eu te amo.

"Eu te amo."

Feliz Sentido 8Where stories live. Discover now