Um dia terrível - parte 1

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Para vocês entenderem como as coisas chegaram a tal ponto, proponho que voltemos algumas horas no relógio e acompanhemos o dia de Victória. Como sabem, a garota saiu para trabalhar com a mãe. Porém, já andava cabisbaixa por causa do aniversário. Costumava ser uma data feliz antes de Joaquim falecer. Agora, era apenas um lembrete do tipo de pessoa horrível que a menina tinha se transformado. Muitas vezes, não suportava sequer receber os parabéns. Monique sabia bem disso, por isso nunca a parabenizava nessa data. Também era um dia triste para a mulher, pois perdera o grande amor de sua vida e nunca conseguira se relacionar com outra pessoa. 

— Podemos sair mais cedo do trabalho hoje? — Victória perguntou para sua mãe, assim que o carro de Monique dobrou a esquina de casa. 

— Por quê? 

— Quero ir no cemitério, levar umas flores pro meu pai. 

Monique suspirou.

— Filha, tem certeza? Você tem vários dias do ano pra fazer isso. Por que precisa ir logo em seu aniversário? Isso pode ser muito doloroso, é melhor ir amanhã ou depois. Hoje eu quero que tente aproveitar seu dia. 

Ela quase deu uma risada de escárnio.

— Não, hoje não é meu aniversário. Não tenho um dia pra comemorar, um que seja só meu. Hoje é aniversário da morte do meu pai, e faz dois anos. Não quero estar com ninguém além dele. Então será que eu posso ir no cemitério? Porque sinceramente, se você não quiser ir, darei um jeito de sair mais cedo mesmo assim. 

— Tá bom, então vou com você. 

— Ótimo.

Victória não disse mais nada. Enfiou um fone no ouvido e foi para o trabalho olhando a rua pela janela. Quando chegaram no restaurante, iniciaram o ritual de sempre. Monique foi para a cozinha e não saiu mais de lá. Victória correu para o banheiro, pegou seu uniforme na mochila e o vestiu. Na hora do almoço, comeu sua comida depressa e ainda lhe restaram vinte minutos, nos quais a menina pegou o caderno de contos, sentou numa mesa e ficou inventando histórias sobre os piores fregueses que já atendera. Agora mesmo, criava uma história em que colocava ácido sulfúrico misturado com sopa para um de seus clientes comer e dava risada ao vê-lo derretendo em sua frente. Nada como contos de terror para animar um pouco meu dia, pensou.

Em dado momento , ergueu a cabeça para pensar numa forma de continuar um dos contos quando viu Nicolau entrando no restaurante. Minha paz acabou, pensou. Então, ficou de pé e foi atendê-lo. O homem mantinha no rosto o sorriso irritante de sempre, mas não puxou assunto dessa vez. Ela anotou seu pedido e o levou ao balcão. Quando voltou, encontrou o velho próximo da mesa que estivera, com seu caderno de contos nas mãos. Velho desgraçado, pensou ela, a caminho de lá. Tirou o caderno das mãos dele tão depressa que o homem se assustou.

— Não te ensinaram que mexer nas coisas dos outros é errado? 

Ele piscou.

— Perdão, Victória. O caderninho é seu?

— Sim.

Ele sentou numa cadeira devagar. 

— Você tem talento, menina.

Ela riu.

— Piadas logo hoje? Não tô no pique. 

— Mas é sério. Pelo pouco que li, já fiquei submerso na história. 

Ela revirou os olhos.

— Não mexe nas minhas coisas! — resmungou, afastando-se com o caderno no bolso do avental. Após voltar com o pedido dele, o homem pediu que ela sentasse na cadeira à sua frente.

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