Capítulo 3: A Queda no silêncio

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Mariana estava nervosa. Quando combinou encontrar-se com Miguel para o passeio às montanhas, tinha pensado em todas as razões para não o fazer. Sabia dos riscos, das advertências dos amigos e, especialmente, das suas próprias inseguranças. Ainda assim, havia algo nela que ansiava por aquele momento, como uma pequena chama que se recusava a apagar.

Assim que chegou ao ponto de encontro, encontrou Miguel encostado à moto, a brincar com as chaves na mão. Ele levantou o olhar e sorriu ao vê-la.

— Pronta para a aventura? — perguntou ele, com um brilho nos olhos.

Mariana sorriu, mas por dentro sentia-se ansiosa. Ele entregou-lhe um capacete e montou na moto, esperando que ela o seguisse.

— Agarra-te bem — murmurou ele, antes de acelerar e mergulhar na estrada sinuosa que os levava às montanhas.

O vento, a velocidade, o rugido da moto... tudo a fazia esquecer, por alguns momentos, das pressões da vida e dos próprios pensamentos que muitas vezes a atormentavam. Mas, assim que chegaram ao topo, aquela adrenalina foi substituída por um silêncio profundo.

Ambos desceram da moto e caminharam até uma falésia de onde se via o mar lá em baixo. A vista era deslumbrante, e Mariana sentiu-se pequena perante a vastidão.

— É bonito, não é? — perguntou Miguel, a voz baixa.

Ela assentiu, sem palavras, até que ele quebrou o silêncio.

— Por vezes, precisamos de um lugar assim para nos esquecermos de tudo. Do caos, dos problemas... é como se o mundo fosse só este momento.

Mariana olhou para ele, sentindo que havia algo de melancólico nas palavras dele. Ele sempre parecia confiante e descomprometido, mas ali, com a brisa a soprar e o olhar perdido no horizonte, havia uma vulnerabilidade que ela ainda não tinha visto.

— O que é que te traz aqui, Miguel? — perguntou ela, num impulso.

Ele hesitou, mas depois riu-se, desviando o olhar.

— Talvez o mesmo que a ti, Mari. Precisamos de escapar, não é?

Ela sentiu uma conexão naquele momento, uma compreensão silenciosa que não precisava de palavras. Mas antes que pudesse perguntar mais, ele desviou o olhar, como se fechasse a porta para aquela vulnerabilidade.

— Vamos descer? — perguntou ele, com um sorriso.

Ela assentiu, mas sentiu o coração apertado. Algo nela dizia-lhe que Miguel tinha os seus próprios segredos, as suas próprias feridas. Mas sabia que, tal como ela, ele não estava pronto para se abrir.

De volta ao campus, no dia seguinte, Mariana sentia-se distante, perdida em pensamentos sobre o que tinha visto na expressão de Miguel. A aula passava sem que ela prestasse atenção, até que Inês lhe deu uma cotovelada.

— Estás a ouvir, Mariana? Vais sair connosco mais logo? — perguntou a amiga.

— Sim... sim, vou. Desculpa, estava distraída.

Rui, que estava ao lado delas, não perdeu tempo em lançar um comentário sarcástico.

— Deixa-me adivinhar: estava a pensar no nosso "bad boy" favorito?

Mariana lançou-lhe um olhar fulminante, mas ele apenas riu.

— Estava só a pensar na vista nas montanhas — respondeu, tentando mudar de assunto.

Rui e Inês trocaram olhares, mas decidiram deixar o assunto. Mariana sentia-se aliviada, mas, ao mesmo tempo, sentia que estava a esconder algo importante dos amigos. No fundo, sabia que Miguel trazia uma sensação de perigo que a atraía, mas também a assustava.

Nesse mesmo dia, ao final da tarde, enquanto Mariana caminhava sozinha para casa, viu Miguel ao longe. Ele estava com um grupo, rindo e aparentando a mesma confiança de sempre, mas havia algo na forma como ele olhava de soslaio, como se estivesse sempre atento aos outros, que lhe parecia desconfortável.

Ela parou, observando-o à distância, até que ele a viu. Miguel despediu-se rapidamente do grupo e aproximou-se dela, como se fosse a coisa mais natural do mundo.

— Andas a espiar-me agora? — brincou ele, com um sorriso provocador.

Mariana corou.

— Não estava... só estava a passar.

Ele riu-se e começou a caminhar ao lado dela.

— Às vezes, penso que tens mais curiosidade sobre mim do que queres admitir.

Ela hesitou, mas depois encarou-o.

— Talvez. Mas acho que isso só acontece porque... tu não és quem pareces ser.

Miguel parou, o sorriso desaparecendo por um instante.

— E quem achas que eu sou, Mariana?

Ela ficou em silêncio, sem saber como responder. Na verdade, não sabia. Só tinha a sensação de que ele carregava uma dor, um peso que ninguém conhecia.

Mas antes que pudesse dizer mais alguma coisa, ele sorriu, aquela máscara de confiança voltando.

— Tens uma imaginação interessante, Mari. Mas acho que isso faz parte do teu charme.

Ele fez uma pausa, parecendo escolher as próximas palavras com cuidado.

— Talvez um dia, quando estiveres preparada, eu te mostre quem realmente sou. Mas, por agora, talvez seja melhor que mantenhas essa imagem misteriosa de mim.

Ela assentiu, mas, no fundo, sentiu um vazio. Algo lhe dizia que o caminho que tinha escolhido seguir ao lado de Miguel iria revelar segredos que poderiam mudar tudo.

De volta a casa, naquela noite, Mariana sentou-se em frente ao espelho, observando o seu reflexo. A imagem que via era de uma rapariga com tantas dúvidas e inseguranças como qualquer outra. Sentia uma pressão constante sobre si mesma, uma expectativa de perfeição que a sufocava.

De repente, sentiu o estômago a embrulhar-se. Já tinha ignorado as refeições no último dia, dizendo a si mesma que não tinha fome. Mas, no fundo, sabia que era mais do que isso. Era uma batalha interna, algo que tentava esconder dos outros e, principalmente, de si mesma.

Ela fechou os olhos, tentando afastar aqueles pensamentos. Sentiu a mesma familiar dor a instalar-se, mas recusava-se a aceitar. Sabia que, a cada refeição que evitava, estava a perder controlo, mas não conseguia parar.

— Isto... é temporário. Eu consigo controlar — murmurou para si mesma, tentando convencer-se.

Mas, no fundo, sabia que era mais do que isso. Sabia que estava a lidar com algo que não entendia completamente.

Naquela noite, ao deitar-se, Mariana fechou os olhos e tentou adormecer, mas as suas inseguranças não a deixaram em paz. Sentia-se presa numa luta que não sabia como vencer, e a figura de Miguel surgia na sua mente, como uma espécie de escape. Talvez ele fosse o único que pudesse entender

Entre o caos e a esperançaOnde histórias criam vida. Descubra agora