Em busca de vingança

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Naquela noite, Victória teve o mesmo pesadelo de sempre. Debatia-se envolta por água que parecia ter vida, pois a prendia no fundo do rio e não a deixava vir à tona. Seus cabelos, estranhamente longos, emaranhavam-se em torno do rosto e do pescoço, ameaçando sufocá-la. Ela abria tanto a boca que sentia os cantos racharem. Soltava um grito saído da alma, que se convertia em bolhas de água. Abaixo de seus pés, habitava a mais profunda escuridão. Acima de sua cabeça, uma luz distante. 

Não havia nada de novo no pesadelo, até o momento em que Victória ouviu uma voz quase sussurrada lhe dizendo que devia erguer os olhos para cima. Quando a garota obedeceu, uma luz forte quase lhe cegou e uma mão se estendeu em sua direção. Victória se debateu de novo, tentando nadar até a superfície, enquanto ouvia um eco distante cantando palavras como “eu lutarei por você”. Ela não entendeu, mas sentiu uma vontade quase incontrolável de chorar. A voz era como um afago em seus cabelos, conforto para seu coração e fogo para os dias frios. 

Quando seus dedos tocaram a mão, tudo aquilo sumiu.

Victória abriu os olhos com força e sentou na cama, abruptamente. Olhou para as mãos e percebeu que os dedos apertavam o cobertor e estavam doendo. Soltou-o depressa e olhou para a cama ao lado, próxima da janela. Viu os cabelos acobreados espalhados pelo travesseiro e passou a mão na testa. Era um milagre Emily ainda estar dormindo, já que sempre acordava primeiro. 

Victória afastou as cobertas e levantou devagar. Andou até a janela, descalça, e afastou as cortinas. Estreitou os olhos quando a luz solar a atingiu, o céu azul como uma piscina. Alguns eventos da noite anterior lhe surgiram na memória aos poucos, como flashes. Lembrou-se que apesar de todo o transtorno, seu bolo de aniversário estava uma delícia. Ela não sabia como a mãe e Emily souberam que seu atual bolo favorito era vermelho, com recheio de leite em pó e uvas verdes. Quase sorriu ao pensar no sabor daquilo e que comeria outra vez depois. Porém, ouviu a prima tossir e encarou a menina de novo. Emily se mexeu na cama, de modo que seu belo rosto virou para o outro lado. 

Victória a odiou em silêncio. 

Nunca a perdoaria pela humilhação que a fizera passar ontem. O pior de tudo era a menina ainda sair como vítima! A mãe lhe contou que Emily desmaiou e teve que ir para o hospital às pressas. Francamente, ela era ótima atriz. Não aguentava uma briguinha boba que passava mal. Victória teve certeza que numa luta contra a prima sairia vencedora. E talvez a otária nem se esforçasse em lutar. 

Preciso dar um jeito de me vingar por ontem, pensou. Emily não sabe com quem se meteu…

Enquanto remoía o ódio pela prima, uma ideia se formou em sua mente. Talvez, fosse pouco para o que ela a fez passar, mas já seria um começo. Com um sorriso fraco, Victória saiu do quarto, ainda descalça. Andou na ponta do pé para não fazer barulho. Não sabia que horas eram, mas aparentemente Monique ainda dormia. Então, ela desceu as escadas com cuidado, desviou dos pedaços de bexiga na sala e mesas viradas. Foi até a lavanderia, pegou um balde e o encheu com água da torneira, no tanque. Não satisfeita, carregou o balde até a cozinha, abriu o congelador e derrubou um monte de pedra de gelo na água fria. 

Victória levou o balde até o quarto com dificuldade. Quando se aproximou da cama de Emily, ergueu-o de um jeito meio atrapalhado, a água gelada escorrendo, pingando no chão e em seus pés. Ela quase praguejou, mas não quis acordar a prima (não desse jeito). Segurou o balde com os braços momentos antes de virá-lo e despejar todo o líquido translúcido no rosto precioso de Emily. A menina abriu os olhos e a boca abruptamente. Teve uma crise de tosse tão forte que seu rosto ficou quase na mesma cor do cabelo. Ergueu-se um pouco na cama e se encolheu na cabeceira, agarrando o cobertor. Depois dos segundos de engasgo, Emily olhou para cima e viu Victória.

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