Uma dose de veneno

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Quando Monique e Victória chegaram em casa, o cheiro de alho frito dominava o ambiente. Da sala, podia-se ouvir a voz de Emily. Ambas foram até a cozinha e encontraram a menina de avental, indo para lá e para cá, várias panelas no fogão e um celular apoiado na janela acima da pia. 

Emily olhou para elas e sorriu.

— Oi. 

— Com quem estava conversando? — Monique perguntou.

— Ainda estou. É uma chamada de vídeo com Davi. Consegui convencê-lo a focar nos estudos, então tô ajudando ele a entender algumas matérias difíceis. Digam olá. — Ela pegou o celular e o apontou na direção delas. 

Victória saiu do campo de visão e foi até a geladeira. Deu longos goles numa garrafa de água, enquanto ouvia a mãe e Emily conversando com Davi. A garota ficou chocada com a habilidade da prima de cozinhar e conversar com alguém por video-chamada ao mesmo tempo. Por um momento, sentou-se à mesa e torceu para Emily deixar alguma coisa queimar, seja lá o que estivesse no fogão. Enquanto isso, Monique foi para o quarto trocar de roupa. 

Victória ouviu um pouco da conversa entre a prima e o amigo.

— Não sei porque te deixei me ajudar com isso, mano. Filosofia é tenso — dizia Davi. 

Emily desligou o fogo das panelas e removeu o avental, deixando-o em um cabideiro. 

— Não é não.

— E eu não entendo como você consegue me explicar tanta coisa enquanto faz comida. Aliás, acho que dá pra sentir o cheiro daqui. O que é? Bife com cebola? 

Ela riu.

— Para, Davi. Concentre-se. Eu aprendo super rápido na escola. Por ter essa capacidade de absorver tanta coisa, acabo não estudando muito em casa. 

Victória revirou os olhos. A prima tinha que dar uma de superdotada, né? Vai, anta. Fica se exibindo pra esse garoto… Será que ela percebeu que Victória ainda estava ali? 

— Tá, só me tira uma dúvida aqui, minha cabeça deu um nó. Platão foi o filósofo que não escreveu nada e Aristóteles escreveu as ideias dele? — o garoto perguntou.

— Não. Foi Sócrates quem não escreveu. Platão tem muitas obras e era discípulo deles. Ah, deixa eu te contar a teoria do mundo das ideias, acho que você vai amar e tem até um pouco a ver com política…

Quando Emily começou a falar sobre esse assunto, Victória quase levantou para ir embora. Porém, de alguma forma, sentiu-se presa na cadeira, graças à forma despojada e totalmente informal com que a prima explicava. Até uma criança de cinco anos conseguiria entender. No fim, até Victória aprendeu detalhes da matéria que sequer lembrava. Tinha que pegar seu caderno para conferir anotações. A vida não era mesmo justa. Como Emily sabia tanta coisa de cór? 

No fim, a garota encerrou a ligação, falando algo sobre estudarem mais outra hora porque precisava jantar e descansar para o dia seguinte. Emily se virou da pia e deu um pulo para trás.

— Ai. — Levou a mão ao peito. — Nossa, Victória. Você quase me mata de susto! Pensei que tivesse ido pro quarto também. 

Ela deu um sorriso amarelo.

— Engano seu.

— Ah, é que… você sempre vai pro quarto depois de chegar do restaurante. — Ela suspirou. — Então, vai jantar hoje? Sua mãe falou que você adora escondidinho de frango. — Agachou-se e abriu o forno do fogão. Tirou uma travessa de vidro fumegante de lá, com o auxílio de um pano de mão. Depois, com toda a delicadeza do mundo, começou a ajeitar a mesa, disponibilizando os talheres, pratos e copos. Emily tinha tanta habilidade na cozinha que enojava. 

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