Final

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Acho que tudo já acabou pra mim, toda a minha vida foi uma mentira, mas lembro de tudo agora, ou apenas acho que lembro. Não sei se aconteceu isso realmente, porém é o que me falam. Sou uma esquizofrênica egocêntrica. Invento tudo isso na minha mente e nem sei se sou uma mentirosa ou realmente doente ao ponto de não se reconhecer.

É difícil se olhar no espelho e não saber quem é, de onde veio, com quem está e onde quer chegar. É inverno ou verão? É noite ou dia? Chuva ou lágrimas? Homem ou mulher? Céu ou inferno? Perguntas cotidianas que me faço e nunca sei a resposta. Talvez pelo tempo que fiquei trancada aqui.

O que vejo são baldes e latas cheios de fezes e urina. Ratos mortos pela grade da janela no alto desse cubículo, os meus pés magros lambuzados de sangue e sujeira. Vômito? Muito vômito, por todo lado, nem sei mais onde pisar, se é que quero me levantar desse chão com cimento gelado.

O som de passos nunca mais ouvido, nunca mais vi ninguém. Nem sei mais falar corretamente ou fazer contas que antes fazia de olhos fechados. Só sei chorar e me contorcer pelos cantos procurando restos de comida do meu almoço, a única refeição que como. Um prato descartável com arroz e batata frios amontoados um encima do outro.

Mal sei a cor do céu ou do sol, não os vejo há anos. Nem sei se quero sair daqui, pois não sei se estou preparada para o mundo ou o mundo preparado para mim. Meus olhos secos de tanto chorar, mesmo estando conformada com a situação. A sede quase me mata todos os dias e o som do silencio deprime meu coração já despedaçado.

Antes eu achava que Julia não sabia onde eu estava, pois se soubesse me salvaria e voltaríamos a viver em "paz". Isso não aconteceu, ela me colocou aqui com seus truques de manipulação verbal e físico. A cada vez que respiro mais sinto raiva dela. As palavras não significam mais nada, então se um dia ela aparecer... de nada vai adiantar e nada irá mudar.

Vinte anos nessa cela debaixo da terra, tive dias piores. Vivia aqui junto comigo um homem, não era qualquer homem e sim aquele que me estuprou, ou que Blunk que diz. Não tinha sido ele, tenho certeza que não foi, sou louca? Talvez, mas não quer dizer que tudo eu esteja errada ou mentindo. Tudo aquilo foi real, mas ninguém enxerga e ninguém quer enxergar.

Estou tão sozinha, desta vez sozinha mesmo. Até que um ruído me assunta e logo vejo o que foi. Tinha algo escrito na parede, demoro a ler, quase me esqueço o que são vogais e consoantes. Descanse, estava escrito. Não fico surpresa ou perturbada, pelo menos estarei acompanhada. Logo depois quando me viro vejo um homem de costas, tinha cabelos compridos, alto, mesmo estando curvado e muito magro, eu podia ver seus ossos. Me assusto, tive tantos sonhos com pessoas estranhas e até alucinações, mas nunca tinha o visto.

Ele é algo novo, talvez algo que me ajude, ajudar em que? Mal sei o que fazer ou deixar de fazer. Peço para que ele se vire, mas ele só abaixa a cabeça. Tento toca-lo e sinto a pele gelada quando encosto meus dedos, tiro com rapidez. O que ele faz aqui é a questão, ele está morto, mesmo não parecendo estar, pode estar gelado e esquelético, porém não a ponto da morte.

- Porque está aqui? - ele me surpreende com a pergunta e eu realmente não sei o que dizer. Logo e some como poeira no vento.

Os dias se passaram, e em todos eu o vejo, não tenho medo dele, mas ele tem que de mim. Não entendo o porque, eu estava ali primeiro, eu estou viva, porém... ele também, então como isso é possível? Meu colega de cela? Sempre tento conversar com ele, mas então repete:

- Isso não é real, você não é real. Isso não é real, você não é real. Isso não é... real, você não é real. - perturbado, totalmente perturbado.

Até que hoje, depois de anos, depois de 50 anos eu vejo que deveria ter descansado, pois eu já tinha ido, ido em bora. Não era ele que me assombrava e sim eu. Fiquei tanto tempo presa aqui que nem sei o que aconteceu, mas só quero descansar. Então adeus.

Desculpem a demora
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Julia BlunkOnde histórias criam vida. Descubra agora